Não que Pelino fosse químico, longe disso: mas era sábio, era gramático. Ninguém escreviaem Tubiacanga que não levasse bordoada do Capitão Pelino, e mesmo quando se falava em algum homem notável lá no Rio, ele não deixava de dizer: “Não há dúvida” O homem tem talento, mas escreve: ‘um outro’, ‘de resto’…” E contraía os lábios como se tivesse engolido alguma cousa amarga.
Toda a vila de Tubiacanga acostumou-se a respeitar o solene Pelino, que corrigia e emendava as maiores glórias nacionais. Um sábio…
Ao entardecer, depois de ler um pouco o Sotero, o Candido de Figueiredo ou o Castro Lopes, e de ter passado mais uma vez a tintura nos cabelos, ovelho mestre-escola saía vagarosamente de casa, muito abotoado no seu paletó de brim mineiro, e encaminhava-se para a botica do Bastos a dar dous dedos de prosa. Conversar é um modo de dizer, porque ea Pelino avaro de palavras, limitando-se tão-somente a ouvir. Quando, porém, dos lábios de alguém escapava a menor incorreção de linguagem, intervinha e emendava. “Eu asseguro, dizia o agente do Correio, que…” Por aí, o mestre-escola intervinha com mansuetude evangélica: “Não diga ‘asseguro’, Senhor Bernardes; em português é garanto”.
E a conversa continuava depois da emenda, para ser de novo interrompida por uma outra. Por essas e outras, houve muitos palestradores que se afastaram, mas Pelino, indiferente, seguro dos seus deveres, continuava o seu apostolado de vernaculismo.
BARRETO, L. A Nova Califórnia. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 24 jul. 2019.
Do ponto de vista linguístico, a defesa da norma-padrão pelo personagem caracteriza-se por
A) contestar o ensino de regras em detrimento do conteúdo das informações.
B) resgatar valores patrióticos relacionados às tradições da língua portuguesa.
C) adotar uma perspectiva complacente em relação aos desvios gramaticais.
D) invalidar os usos da língua pautados pelos preceitos da gramática normativa.
E) desconsiderar diferentes níveis de formalidade nas situações de comunicação.
Resolução em Texto
Matérias Necessárias para a Solução:
- Interpretação textual.
- Linguística: análise de normas e usos da língua.
Nível da Questão: Médio.
Gabarito: Letra E.
1º Passo: Análise do Comando e Definição do Objetivo
Comando da Questão:
Identificar como o personagem do texto defende a norma-padrão da língua portuguesa e como isso influencia sua interação com outros falantes.
Palavras-chave:
- “defesa da norma-padrão”
- “caracteriza-se por”
- “diferentes níveis de formalidade”
Objetivo:
Determinar de que forma o comportamento do personagem Pelino, ao corrigir desvios gramaticais, reflete a rigidez em relação à norma-padrão e sua incapacidade de considerar variações contextuais na língua.
Dica Geral:
⚠️ Observe como o texto descreve o comportamento linguístico do personagem. Ele corrige desvios mesmo em conversas informais, ignorando o contexto da comunicação.
2º Passo: Tradução e Interpretação do Texto
O texto descreve o personagem Capitão Pelino como alguém obcecado pela norma-padrão da língua portuguesa, corrigindo constantemente os outros, mesmo em situações informais de conversa na vila de Tubiacanga. Alguns pontos destacados no texto:
- Correções constantes: Pelino corrige palavras e expressões que ele considera inadequadas, como “asseguro” ao invés de “garanto”.
- Rigidez em relação à norma-padrão: Ele demonstra aversão a qualquer desvio gramatical ou expressão coloquial.
- Indiferença ao contexto comunicativo: Pelino desconsidera que, em uma conversa informal, os usos da língua podem ser diferentes da gramática normativa.
- Impacto social: Sua atitude afastava interlocutores, mas ele permanecia “seguro de seus deveres”.
Conclusão parcial:
Pelino representa uma visão rígida e ultrapassada da norma-padrão, desconsiderando a variação linguística e os diferentes contextos de uso da língua.
3º Passo: Explicação de Conceitos Necessários
- Norma-padrão: Conjunto de regras gramaticais e linguísticas que regulam a língua em contextos formais.
- Variação linguística: Diferenças nos usos da língua de acordo com fatores como região, idade, contexto social e formalidade.
- Contexto comunicativo: A situação em que a linguagem é usada, que determina o nível de formalidade necessário.
Pelino ignora a variação linguística e aplica a norma-padrão de forma rígida, mesmo em situações em que seria desnecessário.
4º Passo: Análise das Alternativas
- A) “contestar o ensino de regras em detrimento do conteúdo das informações.”
Incorreta. O texto não sugere que Pelino critique o ensino de regras, mas que ele aplica essas regras rigorosamente, ignorando o contexto. - B) “resgatar valores patrióticos relacionados às tradições da língua portuguesa.”
Incorreta. Apesar de Pelino valorizar a norma-padrão, não há referência explícita a valores patrióticos. - C) “adotar uma perspectiva complacente em relação aos desvios gramaticais.”
Incorreta. Pelo contrário, Pelino é inflexível e crítico em relação aos desvios gramaticais. - D) “invalidar os usos da língua pautados pelos preceitos da gramática normativa.”
Incorreta. Pelino defende a gramática normativa, não a invalida. - E) “desconsiderar diferentes níveis de formalidade nas situações de comunicação.”
Correta. Pelino aplica a norma-padrão rigidamente, ignorando que conversas informais permitem maior flexibilidade no uso da língua.
Dica Geral:
⚠️ Procure a alternativa que reflete a inflexibilidade do personagem ao lidar com diferentes contextos de uso da língua.
5º Passo: Conclusão e Justificativa Final
Conclusão:
A alternativa correta é a letra E, pois Pelino desconsidera os diferentes níveis de formalidade nas situações de comunicação, corrigindo desvios gramaticais em conversas informais sem necessidade.
Resumo Final:
O texto retrata a rigidez de Pelino na defesa da norma-padrão, ignorando a variação linguística e os contextos comunicativos. Essa atitude evidencia sua incapacidade de reconhecer que diferentes situações demandam diferentes níveis de formalidade no uso da língua.
