A escrava
– Admira-me —, disse uma senhora de sentimentos sinceramente abolicionistas —; faz-me até pasmar como se possa sentir, e expressar sentimentos escravocratas, no presente século, no século dezenove! A moral religiosa e a moral cívica aí se erguem, e falam bem alto esmagando a hidra que envenena a família no mais sagrado santuário seu, e desmoraliza, e avilta a nação inteira! Levantai os olhos ao Gólgota, ou percorrei-os em torno da sociedade, e dizei-me:
— Para que se deu em sacrifício, o Homem Deus, que ali exalou seu derradeiro alento? Ah! Então não era verdade que seu sangue era o resgate do homem! É então uma mentira abominável ter esse sangue comprado a liberdade!? E depois, olhai a sociedade… Não vedes o abutre que a corrói constantemente!… Não sentis a desmoralização que a enerva, o cancro que a destrói?
Por qualquer modo que encaremos a escravidão, ela é, e sempre será um grande mal. Dela a decadência do comércio; porque o comércio e a lavoura caminham de mãos dadas, e o escravo não pode fazer florescer a lavoura; porque o seu trabalho é forçado.
REIS, M. F. Úrsula e outras obras. Brasília: Câmara dos Deputados, 2018
Inscrito na estética romântica da literatura brasileira, o conto descortina aspectos da realidade nacional no século XIX ao
A) revelar a imposição de crenças religiosas a pessoas escravizadas.
B) apontar a hipocrisia do discurso conservador na defesa da escravidão.
C) sugerir práticas de violência física e moral em nome do progresso material.
D) relacionar o declínio da produção agrícola e comercial a questões raciais.
E) ironizar o comportamento dos proprietários de terra na exploração do trabalho.

Resolução em Texto
Matérias Necessárias para a Solução da Questão
- Interpretação de texto
Nível da Questão: Médio
Gabarito: LETRA B
Passo 1: Análise do comando e definição do objetivo
Comando: A questão pede para identificar como o texto retrata aspectos da realidade nacional no século XIX, inscrito na estética romântica, com foco na escravidão.
Objetivo: Compreender a crítica à escravidão apresentada no texto e como ela reflete questões sociais, econômicas e morais do período.
Dica geral: O texto apresenta um discurso abolicionista, criticando a escravidão como um grande mal moral, social e econômico, típico da literatura romântica engajada do século XIX.
Passo 2: Análise das frases-chave do texto
“Faz-me até pasmar como se possa sentir, e expressar sentimentos escravocratas, no presente século, no século dezenove!”
- A personagem expressa surpresa e indignação ao perceber a persistência de discursos a favor da escravidão em um período que deveria ser marcado por avanços morais.
“A moral religiosa e a moral cívica aí se erguem, e falam bem alto esmagando a hidra que envenena a família no mais sagrado santuário seu, e desmoraliza, e avilta a nação inteira!”
- A escravidão é descrita como uma “hidra”, um mal que destrói os valores familiares e sociais, enfatizando sua incompatibilidade com os princípios éticos e religiosos.
“Por qualquer modo que encaremos a escravidão, ela é, e sempre será um grande mal.”
- A autora condena a escravidão de forma categórica, destacando suas consequências negativas em diversos aspectos da sociedade.
O texto reflete uma crítica abolicionista (a favor da eliminação da escravidão) contundente, condenando a escravidão como um mal social, moral e econômico, típico do discurso literário romântico engajado, que denunciava as injustiças da sociedade brasileira no século XIX.
Passo 3: Análise das alternativas
A) Revelar a imposição de crenças religiosas a pessoas escravizadas.
- Errado. O texto menciona valores religiosos, mas o foco está na crítica à escravidão como um todo, e não especificamente na imposição de crenças às pessoas escravizadas (que também era um fênomeno recorrente na época)
B) Apontar a hipocrisia do discurso conservador na defesa da escravidão.
- Correto. O texto condena a contradição de valores morais e religiosos usados para justificar a escravidão, evidenciando a hipocrisia de quem apoia essa prática em pleno século XIX.
C) Sugerir práticas de violência física e moral em nome do progresso material.
- Errado. O texto critica brevemente a exploração do trabalho forçado e não a sugere em nenhum momento.
D) Relacionar o declínio da produção agrícola e comercial a questões raciais.
- Errado. De fato houve uma decadência comercial diante da abolição da escravidão no século XIX, mas o texto não foca nesse aspecto comercial, mas sim no contexto social e humano da época escravocrata.
E) Ironizar o comportamento dos proprietários de terra na exploração do trabalho.
- Errado. O texto critica a escravidão através de ironia e metáforas, mas não fala especificamente sobre o comportamento dos proprietários desse modo.
Passo 4: Conclusão e justificativa
A resposta correta é B) Apontar a hipocrisia do discurso conservador na defesa da escravidão.
O texto critica a hipocrisia de justificar a escravidão com argumentos morais e religiosos, expondo a contradição entre esses valores e a prática escravocrata. A análise evidencia um discurso abolicionista típico do romantismo social no século XIX, que denuncia injustiças e promove a transformação da realidade nacional.