Questão 74, caderno azul do ENEM 2020

TEXTO I

Os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

PESSOA, F. O guardador de rebanhos – IX. In: GALHOZ, M. A. (Org.). Obras poéticas.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999 (fragmento).

TEXTO II

Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999 (adaptado).

Os textos mostram-se alinhados a um entendimento acerca da ideia de conhecimento, numa perspectiva que ampara a

A)  anterioridade da razão no domínio cognitivo.

B)  confirmação da existência de saberes inatos.

C)  valorização do corpo na apreensão da realidade.

D)  verificabilidade de proposições no campo da lógica.

E)  possibilidade de contemplação de verdades atemporais.

Resolução em texto

Matérias Necessárias para a Solução

  • Filosofia (Fenomenologia)

Nível da Questão: Médio – exige conhecimento de conceitos filosóficos básicos e interpretação textual.

Gabarito: LETRA C – Valorização do corpo na apreensão da realidade.


Passo 1: Análise do Comando e Definição do Objetivo

Comando da questão:

A questão pede que se identifique, a partir da relação entre os textos, a perspectiva filosófica sobre a construção do conhecimento.

Palavras-chave:

  • “Sensações” e “penso com os olhos e com os ouvidos”: Indicam que o corpo é o meio pelo qual o conhecimento é percebido.
  • “Visão minha ou experiência do mundo”: Enfatiza que a experiência sensorial é essencial para interpretar a realidade.

Objetivo:

Reconhecer que ambos os textos valorizam o papel do corpo e das experiências sensoriais na apreensão do conhecimento, alinhando-se à perspectiva fenomenológica.


Passo 2: Tradução e Interpretação do Texto

Frases-chave do Texto I (Fernando Pessoa):

  1. “Os meus pensamentos são todos sensações.”
    • Reflete uma visão em que o pensamento está profundamente conectado às experiências sensoriais.
  2. “Penso com os olhos e com os ouvidos e com as mãos e os pés.”
    • Destaca o corpo como mediador do pensamento e do conhecimento.

Frases-chave do Texto II (Merleau-Ponty):

  1. “Tudo aquilo que sei do mundo […] eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência.”
    • Afirma que o conhecimento depende da interação direta com o mundo, mediada pelos sentidos.
  2. “Sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada.”
    • Sugere que a ciência e o raciocínio lógico dependem de experiências sensoriais para fazer sentido.

Interpretação Geral:
Os dois textos mostram como o corpo e os sentidos são fundamentais para entender o mundo ao nosso redor. Eles seguem uma visão chamada fenomenologia, que defende que tudo o que sabemos começa com o que sentimos e percebemos com o nosso corpo, como ver, ouvir, tocar e experimentar. Essa ideia destaca que é através dessas experiências que conseguimos interpretar e compreender a realidade.


Passo 3: Explicação de Conceitos e Conteúdos Necessários

  • Experiência sensorial:
    • A experiência sensorial é tudo o que percebemos com os nossos sentidos. Isso inclui ver, ouvir, tocar, cheirar e provar. É o primeiro contato que temos com o mundo ao nosso redor. Por exemplo, quando você sente o calor do sol ou ouve o som de uma música, isso é uma experiência sensorial. Os textos explicam que o conhecimento começa com essas percepções, porque é assim que entendemos e nos conectamos à realidade.
  • Experiência subjetiva
    • A experiência subjetiva é o modo como cada pessoa interpreta o que sente e vive, de forma única e pessoal. Mesmo que duas pessoas vejam a mesma coisa, como um pôr do sol, cada uma pode percebê-lo de uma maneira diferente, baseada em seus pensamentos, emoções e vivências. Nos textos, essa subjetividade aparece como parte importante do conhecimento, porque nossas interpretações pessoais ajudam a dar sentido ao que percebemos com os sentidos.
  • Fenomenologia:
    • Uma corrente filosófica que estuda como o mundo é compreendido a partir da experiência sensorial e da experiência subjetiva.
    • Merleau-Ponty, um dos principais representantes dessa ideia, afirma que o corpo é fundamental porque ele é o meio que nos conecta ao mundo. É por meio dele que percebemos e interpretamos o que está ao nosso redor, como o calor do sol ou o som de uma música.
  • Conhecimento Mediado pelos Sentidos:
    • A ideia de que entendemos o mundo primeiro pelo que sentimos com o nosso corpo, como ver, ouvir, tocar, cheirar e provar. Essas sensações são a base para começarmos a entender a realidade, porque é através delas que nos conectamos ao que está ao nosso redor. Isso é diferente de outras visões que dizem que o conhecimento vem só do raciocínio ou que já nascemos sabendo certas coisas.
  • Relação entre Corpo e Conhecimento:
    • O corpo não é apenas um instrumento, mas parte integrante da construção do saber. As sensações, como visão, tato e audição, são ferramentas fundamentais para interpretar a realidade e construir significados.

Passo 4: Desenvolvimento do Raciocínio

Os textos mostram que o corpo é o ponto de partida para o conhecimento. Fernando Pessoa escreve que seus pensamentos vêm de coisas que sente: o que vê, ouve e toca. Ele não separa o que pensa do que experimenta com o corpo.

Merleau-Ponty reforça essa ideia, dizendo que tudo o que sabemos do mundo começa com o que vivemos e sentimos. Ele mostra que até o conhecimento científico, que parece mais teórico, depende do que percebemos com o corpo. Por exemplo, é impossível entender algo sobre a chuva sem sentir ou observar seus efeitos, como ver o chão molhado ou sentir o cheiro da terra úmida.


Passo 5: Análise das Alternativas e Resolução

A) Anterioridade da razão no domínio cognitivo:

  • Errada. Essa alternativa sugere que tudo o que sabemos vem da razão, mas os textos mostram o contrário: o conhecimento começa com o que sentimos e vivemos. Para estar correta, precisaria destacar que o pensamento racional é o ponto inicial do saber, o que não é o caso aqui.

B) Confirmação da existência de saberes inatos:

  • Errada. Saber inato é algo que você já nasce sabendo, sem precisar aprender ou experimentar. Os textos dizem que aprendemos com o que sentimos, então o conhecimento não nasce conosco. Para estar correta, deveria falar que o saber vem naturalmente, sem depender de experiências.

C) Valorização do corpo na apreensão da realidade:

  • Correta. Os dois textos mostram como o corpo e os sentidos são importantes para entender o mundo. Vemos, ouvimos e sentimos para começar a aprender e formar nossos pensamentos, como sugerido nos trechos de Fernando Pessoa e Merleau-Ponty.

D) Verificabilidade de proposições no campo da lógica:

  • Errada. Isso fala sobre usar a lógica para verificar o que é verdadeiro ou falso, mas os textos não tratam disso. Eles falam sobre como o conhecimento começa com o que sentimos, não com regras lógicas. Para estar correta, teria que dizer que o conhecimento é baseado na razão pura.

E) Possibilidade de contemplação de verdades atemporais:

  • Errada. Verdades atemporais são aquelas que sempre valem, como leis universais, mas os textos falam de coisas concretas que percebemos com o corpo. Para estar correta, precisaria se conectar a ideias abstratas e universais, o que não acontece aqui.

Passo 6: Conclusão e Justificativa Final

A alternativa C é correta porque os textos enfatizam que o corpo e as experiências sensoriais são fundamentais para a apreensão da realidade e para a construção do conhecimento. Essa perspectiva se alinha à fenomenologia, que valoriza a percepção direta como ponto de partida para a compreensão do mundo.

Resumo final:

Os textos de Fernando Pessoa e Merleau-Ponty destacam a relação entre o corpo e o conhecimento, afirmando que a percepção sensorial é essencial para interpretar a realidade. Essa abordagem reflete a valorização da corporeidade na fenomenologia. A alternativa correta é C.

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