Questão 66, caderno azul do ENEM PPL 2019

A ausência quase completa de fantasmas na Bíblia deve ter favorecido também a vontade de rejeição dos fantasmas pela cultura cristã. Várias passagens dos Evangelhos manifestam mesmo uma grande reticência com relação a um culto dos mortos: “Deixa os mortos sepultar os mortos”, diz Jesus (Mt 8:21), ou ainda: “Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos” (Mt 22:32). Por certo, numerosos mortos são ressuscitados por Jesus (e, mais tarde, por alguns de seus discípulos), mas tal milagre — o mais notório possível segundo as classificações posteriores dos hagiógrafos medievais — não é assimilável ao retorno de um fantasma.  Ele prefigura a própria ressurreição do Cristo três dias depois de sua Paixão. Antecipa também a ressurreição universal dos mortos no fim dos tempos.

SCHMITT, J.-C. Os vivos e os mortos na sociedade medieval.  São Paulo: Cia. das Letras, 1999.

De acordo com o texto, a representação da morte ganhou novos significados nessa religião para

A) extinguir as formas de ritualismo funerário.

B) evitar a expressão de antigas crenças politeístas.

C) sacramentar a execução do exorcismo de infiéis.

D) enfraquecer a convicção na existência de demônios.

E) consagrar as práticas de contato mediúnico transcendental.

📚 Matérias Necessárias para a Solução da Questão

Cristianismo primitivo, Representações da Morte na Antiguidade, Religiões da Antiguidade, Transição cultural do Paganismo para o Cristianismo, Sociologia da Religião, Teologia Bíblica.

🎯 Nível da Questão: Médio.

Gabarito: Letra B.


📖 Resolução Passo a Passo

✝️ Passo 1 – Análise do Comando e Definição do Objetivo

O comando da questão nos convida a refletir sobre quais novos significados a representação da morte ganhou no Cristianismo, a partir do texto de Jean-Claude Schmitt. A estrutura do comando é:
“De acordo com o texto, a representação da morte ganhou novos significados nessa religião para…”

Palavras-chave do enunciado e texto:

  • “ausência de fantasmas na Bíblia”
  • “rejeição dos fantasmas pela cultura cristã”
  • “reticência com relação a um culto dos mortos”
  • “ressurreição universal”


✝️ Passo 2 – Explicação de Conceitos e Conteúdos Necessários

Para entender essa questão, é importante compreender:

  • Politeísmo: sistema de crenças que admite múltiplas divindades. Muitas dessas religiões, como as greco-romanas, incluíam rituais para os mortos e acreditavam em aparições de fantasmas.

  • Crenças cristãs sobre a morte: o cristianismo, ao surgir no contexto do Império Romano, precisou se diferenciar das práticas pagãs. Assim, substituiu práticas como o culto aos mortos pela ideia de ressurreição dos mortos no fim dos tempos, conceito central da fé cristã.

  • Ressurreição vs Fantasmas: o retorno de Jesus dos mortos é apresentado como ressurreição (gloriosa e definitiva), e não como uma alma penada ou espírito errante. O mesmo vale para Lázaro e outros ressuscitados. Essa diferença era fundamental para afastar o cristianismo das religiões anteriores.

  • Papel da Bíblia e dos Evangelhos: os Evangelhos estabelecem uma doutrina que rejeita a comunicação com mortos ou qualquer forma de mediunidade — prática muito comum no mundo pagão.

✝️ Passo 3 – Tradução e Interpretação do Texto

O texto aponta que a Bíblia praticamente não menciona fantasmas, o que indica uma ruptura com a tradição de comunicação com os mortos. As frases de Jesus (“Deixa os mortos sepultar os mortos” e “Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos”) reforçam o distanciamento da fé cristã em relação a práticas anteriores de veneração aos mortos.

Além disso, ressuscitar alguém em nome de Cristo é apresentado como milagre, diferente de qualquer manifestação espectral ou “fantasmal”. O foco está na vida eterna, não na presença dos mortos entre os vivos.
👉 Isso tudo antecipa a doutrina da ressurreição universal no fim dos tempos, um pilar da fé cristã.


✝️ Passo 4 – Análise das Alternativas e Resolução

Vamos agora analisar uma por uma com os sinais visuais:

A) extinguir as formas de ritualismo funerário
🔴 Errada. O Cristianismo não extinguiu os rituais funerários, mas os reformulou. Passaram a incluir orações, sepultamentos e esperanças na vida eterna.
🛠️ Para estar correta: “reformular as práticas funerárias com base na esperança da ressurreição”.


B) evitar a expressão de antigas crenças politeístas
🟢 Correta. Como vimos, a nova doutrina se distanciava das crenças antigas em fantasmas e rituais de comunicação com os mortos, muito comuns nas religiões politeístas.
✅ A Bíblia constrói uma nova representação da morte, em oposição às crenças pagãs, o que confere novo significado à morte no Cristianismo.


C) sacramentar a execução do exorcismo de infiéis
🔴 Errada. O exorcismo, embora presente no Cristianismo, não tem relação com o novo significado da morte apresentado aqui.
🛠️ Para estar correta: teria que abordar outra prática cristã, e não a representação da morte.


D) enfraquecer a convicção na existência de demônios
🔴 Errada. A crença em demônios permaneceu forte no Cristianismo, especialmente na Idade Média. A mudança tratada no texto não envolve demônios, mas sim mortos e fantasmas.
🛠️ Para estar correta: “enfraquecer a crença em aparições de mortos como fantasmas”.


E) consagrar as práticas de contato mediúnico transcendental
🔴 Errada. O Cristianismo condena práticas mediúnicas, pois são associadas a cultos pagãos. O texto mostra justamente uma crítica a isso.
🛠️ Para estar correta: “condenar as práticas mediúnicas associadas ao paganismo”.


✝️ Passo 5– Conclusão e Justificativa Final

✅ A alternativa correta é a letra B, pois o texto evidencia uma clara intenção do Cristianismo em romper com práticas politeístas antigas, especialmente aquelas ligadas ao culto aos mortos e à crença em fantasmas. Ao substituir essas ideias pela doutrina da ressurreição e da vida eterna, o Cristianismo propõe uma nova visão da morte, que fortalece a identidade da fé cristã e evita a continuidade de rituais de origem pagã. 🌿⛪

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