Questão 66, caderno azul do ENEM 2023 PPL

Suponha-se que seja trazida de súbito a este mundo uma pessoa dotada das mais poderosas faculdades da razão e reflexão. É verdade que ela observaria imediatamente um acontecimento seguindo-se a outro, mas não conseguiria descobrir nada além disso. Ela não seria, no início, capaz de apreender, por meio de nenhum raciocínio, a ideia de causa e efeito.

HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo: Unesp, 2003.

Segundo Hume, nossa capacidade de estabelecer relações como aquelas mencionadas no texto resulta do(a)

A) representação construída pela assimilação dos juízos universais.
B) hábito desenvolvido pela repetição de uma operação.
C) testemunho proveniente de relato de terceiros.
D) intuição formada pela atividade mental pura.
E) reminiscência advinda de vidas passadas.

📚 Matérias Necessárias para a Solução da Questão

Filosofia, Empirismo, Teoria do Conhecimento, Causalidade segundo David Hume.

🎯 Nível da Questão: Médio.

Gabarito: Letra B.


📖 Resolução Passo a Passo

🔹 Passo 1: Análise do Comando e Objetivo

A questão apresenta um trecho da obra de David Hume e pede para identificar o fundamento de nossa capacidade de estabelecer relações entre eventos, especialmente a relação de causa e efeito.

O enunciado menciona uma situação hipotética: se uma pessoa extremamente racional fosse trazida de repente ao mundo, ela perceberia um evento seguido de outro, mas não compreenderia a relação entre eles de imediato. O que se busca aqui é compreender como o ser humano adquire o conhecimento de que certos eventos estão conectados causalmente.

As palavras-chave são:

  • Causa e efeito → conceito central da filosofia de Hume.
  • Nada além disso → indica que a razão não pode deduzir imediatamente uma relação causal.
  • Capacidade de estabelecer relações → foco na origem do conhecimento sobre conexões entre eventos.

🔹 Passo 2: Explicação de Conceitos e Conteúdos Necessários

David Hume foi um dos principais filósofos do empirismo, uma corrente que afirma que todo conhecimento vem da experiência sensível.

  • Causalidade em Hume:
    Hume argumentava que a relação de causa e efeito não é uma verdade lógica ou racionalmente dedutível. Em vez disso, nós aprendemos essa relação através da experiência repetida.

  • O papel do hábito:
    Segundo Hume, quando vemos repetidamente um evento seguido de outro (por exemplo, sempre que chove, o chão fica molhado), nosso cérebro passa a esperar que esse padrão continue. Esse aprendizado não ocorre por dedução lógica, mas sim por hábito.

  • Crítica ao raciocínio puro:
    Hume rejeita a ideia de que podemos conhecer relações causais apenas pela razão ou pela intuição. Para ele, apenas a experiência e a repetição de eventos nos levam a essa conclusão.

🔹 Passo 3: Tradução e Interpretação do Texto

O texto de Hume sugere que uma pessoa, mesmo sendo extremamente racional, não seria capaz de perceber uma relação de causa e efeito imediatamente. Ela apenas veria os eventos ocorrendo um após o outro, sem compreender a ligação entre eles.

Isso significa que a relação entre causa e efeito não é uma ideia inata nem algo que se percebe de forma direta pela razão. Em vez disso, é algo que aprendemos ao longo do tempo, ao observar repetições de eventos.

Exemplo:

  • Se uma criança vê uma bola quicando várias vezes após ser jogada no chão, ela começa a entender que jogar a bola causa o quique. Isso não ocorre porque ela raciocina logicamente sobre física, mas porque já viu esse fenômeno repetidas vezes.

🔹 Passo 4: Análise das Alternativas e Resolução

Alternativa A) representação construída pela assimilação dos juízos universais.
Errada! Essa ideia remete mais à filosofia racionalista, como a de Kant, que propunha juízos universais a priori, enquanto Hume defendia que o conhecimento é construído a posteriori, ou seja, com base na experiência. Para estar correta, a alternativa deveria se referir a uma teoria racionalista do conhecimento.


Alternativa B) hábito desenvolvido pela repetição de uma operação.
Correta! O conceito de causalidade, segundo Hume, se forma a partir da observação repetida de eventos, criando um hábito mental que nos leva a associar um fato a outro.


Alternativa C) testemunho proveniente de relato de terceiros.
Errada! O conhecimento sobre causa e efeito, segundo Hume, vem da experiência direta, não do que ouvimos dos outros. Para essa alternativa estar certa, deveria mencionar um filósofo que defende o conhecimento baseado na autoridade e no testemunho, como certos empiristas mais voltados para o aspecto social da aprendizagem.


Alternativa D) intuição formada pela atividade mental pura.
Errada! Hume nega que possamos conhecer a causalidade apenas pela razão ou intuição. Para ele, a causalidade é um aprendizado empírico. Para essa alternativa estar correta, deveria estar associada a um pensador como Descartes, que defendia a intuição racional como fonte de conhecimento.


Alternativa E) reminiscência advinda de vidas passadas.
Errada! Essa ideia é de Platão, não de Hume. Platão acreditava que o conhecimento verdadeiro já está na alma e apenas o recordamos ao longo da vida. Para estar correta, essa alternativa precisaria se referir à teoria das ideias platônica, e não ao empirismo humeano.


🏆 Passo 5: Conclusão e Justificativa Final

Hume argumenta que não há um vínculo lógico ou inato entre causa e efeito, mas que essa relação é algo que aprendemos com o tempo, à medida que observamos repetições. Quando vemos constantemente um fenômeno sendo seguido por outro, nosso cérebro cria a expectativa de que essa sequência sempre ocorrerá, e essa expectativa é o que chamamos de relação causal.

Dessa forma, a resposta correta é a alternativa B: o hábito desenvolvido pela repetição de uma operação.

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