Questão 31, caderno azul do ENEM 2024

Cap. XLVIII / Terpsícore

Ao contrário do que ficou dito atrás, Flora não se aborreceu na ilha. Conjeturei mal, emendo-me a tempo. Podia aborrecer-se pelas razões que lá ficam, e ainda outras que poupei ao leitor apressado; mas, em verdade, passou bem a noite. A novidade da festa, a vizinhança do mar, os navios perdidos na sombra, a cidade defronte com os seus lampiões de gás, embaixo e em cima, na praia e nos outeiros, eis ar aspectos novos que a encantaram durante aquelas horas rápidas.

Não lhe faltavam pares, nem conversação, nem alegria alheia e própria. Toda ela compartia da felicidade dos outros. Via, ouvia, sorria, esquecia-se do resto para se meter consigo. Também invejava a princesa imperial, que viria a ser imperatriz um dia, com o absoluto poder de despedir ministros e damas, visitas e requerentes, e ficar só, no mais recôndito do paço, fartando-se de contemplação ou de música. Era assim que Flora definia o ofício de governar. Tais ideias passavam e tornavam. De uma vez alguém lhe disse, como para lhe dar força: “Toda alma livre é imperatriz!”.

ASSIS, M. Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1974.

Convidada para o último baile do Império, na Ilha Fiscal, localizada no Rio de Janeiro, Flora devaneia sobre aspectos daquele contexto, no qual o narrador ironiza a

A) promessa de esperança com o futuro regime.

B) alienação da elite em relação ao fim da monarquia.

C) perspectiva da contemplação distanciada da capital.

D) animosidade entre população e membros da nobreza.

E) fantasia de amor e de casamento da mulher burguesa.

Resolução em texto

Matérias Necessárias para a Solução da Questão:

  • Interpretação de texto literário 
  • Conhecimento de contexto histórico (fim da monarquia no Brasil) 
  • Identificação do uso de ironia 

Nível da Questão: Difícil
Gabarito: LETRA B


1º Passo: Análise do Comando e Definição do Objetivo 

O comando pede para identificar o objeto da ironia do narrador no trecho apresentado, levando em consideração o contexto histórico e o comportamento descrito de Flora durante o baile na Ilha Fiscal. 

Palavras-chave: 

→ “narrador ironiza” 

→ “último baile do Império” 

→ “fim da monarquia” 

Objetivo: Determinar qual aspecto do contexto histórico e social o narrador ironiza no devaneio de Flora e na situação descrita no texto. 

Dica Geral: 

⚠️ Atenção! A ironia é uma figura de linguagem usada para criticar algo de forma indireta. Analise as entrelinhas do texto e perceba as contradições entre a situação descrita e o contexto histórico real. 


2º Passo: Interpretação do Texto 

No trecho, o narrador descreve a personagem Flora, que participa do último baile do Império (na Ilha Fiscal, em 1889, pouco antes da Proclamação da República). Vamos identificar os principais pontos: 

  1. Aspectos que encantam Flora: 
  • A novidade da festa, o mar, os navios perdidos na sombra e a cidade iluminada
  • Ela está envolta em uma atmosfera de beleza e contemplação, o que contrasta com a iminente queda do regime monárquico
  1. Devaneio de Flora: 
  • Ela idealiza o poder absoluto da princesa imperial, imaginando o governar como um ofício de contemplação e solidão. 
  • A frase “Toda alma livre é imperatriz!” parece enaltecer uma ideia ingênua e irônica de liberdade. 
  1. A ironia do narrador: 
  • O narrador apresenta Flora como alienada à situação real: a monarquia está prestes a cair, mas ela está encantada com a festa, alheia ao contexto histórico e político. 
  • Há uma crítica à alienação da elite, que se ocupa com o luxo e o divertimento enquanto o Império ruía. 

Essência do texto: O narrador ironiza a desconexão entre a elite monárquica (representada pelo baile e por Flora) e a realidade iminente do fim da monarquia


3º Passo: Explicação de Conceitos Necessários 

  1. Ironia: 
  1. Figura de linguagem que exprime algo diferente ou oposto ao que é dito, com o intuito de criticar ou provocar reflexão. 
  1. Último baile do Império: 
  1. Um evento histórico ocorrido dias antes da Proclamação da República em 1889. O baile na Ilha Fiscal simboliza a decadência da monarquia, que celebrava em meio à sua iminente queda. 
  1. Alienação: 
  1. Representa o distanciamento ou falta de percepção de uma pessoa ou grupo em relação à realidade social ou política ao seu redor. 

4º Passo: Análise das Alternativas 

A) Promessa de esperança com o futuro regime. 

  • Incorreta. O texto não menciona nenhuma esperança quanto ao futuro regime republicano. 

B) Alienação da elite em relação ao fim da monarquia. 

  • Correta. A descrição de Flora encantada com a festa e seus devaneios, enquanto o Império está prestes a acabar, ironiza a alienação da elite diante da realidade política. 

C) Perspectiva da contemplação distanciada da capital. 

  • Incorreta. O texto menciona a contemplação do mar e dos navios, mas isso é parte do devaneio de Flora, não o foco da crítica irônica do narrador. 

D) Animosidade entre população e membros da nobreza. 

  • Incorreta. O texto não menciona conflito ou animosidade entre a população e a nobreza. 

E) Fantasia de amor e de casamento da mulher burguesa. 

  • Incorreta. Flora não está fantasiando sobre amor ou casamento, mas sim sobre o poder imperial e o ofício de governar. 

5º Passo: Conclusão e Justificativa Final 

Conclusão: A alternativa correta é B) Alienação da elite em relação ao fim da monarquia, pois o narrador utiliza a figura de Flora e sua admiração pelo baile para criticar, de forma irônica, a desconexão da elite com a realidade do fim iminente da monarquia no Brasil. 

Resumo Final: O narrador, através da ironia, expõe a alienação da elite monárquica, representada pelo devaneio e encantamento de Flora, que permanece desatenta ao contexto de crise e queda do regime monárquico. 

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