Questão 31, caderno azul do ENEM 2022 – LINGUAGENS

Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos — esqueletos redivivos, com o aspecto terroso e o fedor das covas podres.

Os fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão trôpegos e trêmulos, num passo arrastado de quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas.

Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos de seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão dos maus fados.

Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo.

Adelgaçados na magreira cômica, cresciam, como se o vento os levantasse. E os braços afinados desciam-lhes aos joelhos, de mãos abanando.

Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos — de ascite consecutiva à alimentação tóxica — com os fardos das barrigas alarmantes.

Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma. Eram os retirantes. Nada mais.

ALMEIDA, J. A. A bagaceira. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978

Os recursos composicionais que inserem a obra no chamado “Romance de 30” da literatura brasileira manifestam-se aqui no(a)

A) contemplação lírica da paisagem transformada em alegoria.

B) desenho cru da realidade dramática dos retirantes.

C) indefinição dos espaços para efeito de generalização.

D) análise psicológica da reação dos personagens à seca.

E) engajamento político do narrador ante as desigualdades.

Resolução em Texto

Matérias Necessárias para a Solução da Questão

  • Interpretação de texto

Nível da Questão: Fácil
Gabarito: LETRA A


Passo 1: Análise do comando e definição do objetivo

Comando: A questão solicita a identificação de recursos literários que inserem o texto no contexto do “Romance de 30”, movimento marcado pela denúncia social, pela representação crua da realidade e pelo foco nos dramas humanos e sociais, especialmente no Nordeste brasileiro.

Objetivo: Determinar como os elementos narrativos, descritivos e estilísticos utilizados no texto refletem os traços característicos desse movimento literário.

Dica geral: No “Romance de 30”, há um retrato fiel e muitas vezes chocante das dificuldades vividas pelas classes desfavorecidas, utilizando uma linguagem direta, sem idealizações, e apresentando críticas implícitas ou explícitas às condições sociais.


Passo 2: Análise das frases-chave do texto

“Os fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão trôpegos e trêmulos, num passo arrastado de quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas.”

  • Interpretação: O narrador utiliza a metáfora “fantasmas estropiados” para enfatizar a desumanização dos retirantes, evidenciando sua fragilidade extrema. A imagem de corpos trôpegos e descontrolados ressalta o estado degradante em que se encontram.

“Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma. Eram os retirantes. Nada mais.”

  • Interpretação: A descrição sugere a perda total de identidade e individualidade dos retirantes, que são reduzidos a uma condição de mero deslocamento humano, representando a miséria e o abandono social.

    O texto oferece uma visão brutal da realidade nordestina durante a seca, típica do “Romance de 30”. A narrativa exibe um retrato coletivo e despersonalizado dos retirantes, destacando seu sofrimento físico e psicológico. Esse enfoque reforça a crítica social característica do movimento literário, evidenciando a desigualdade e a negligência estrutural no Brasil.


    Passo 3: Explicação dos conceitos importantes

    Romance de 30: Esse movimento literário, parte do Modernismo brasileiro, surge na década de 1930 e é marcado pela abordagem de temas sociais, principalmente a miséria, a seca, o coronelismo e as dificuldades das populações do campo.

    Características principais:

    • Representação crua da realidade social, sem idealizações.
    • Enfoque na denúncia das desigualdades e injustiças sociais.
    • Valorização da coletividade e de questões humanas universais.
    • Uso de uma linguagem direta e descritiva, com detalhes impactantes.

    O texto se alinha a essas características ao retratar os retirantes de forma desumanizada, usando metáforas impactantes para ressaltar o sofrimento e a degradação.


    Passo 4: Análise das alternativas

    A) Desenho cru da realidade dramática dos retirantes.
    Correto. A descrição dos retirantes é impactante e marcada por detalhes que evidenciam sua miséria e sofrimento, traços típicos do “Romance de 30”.

    B) Indefinição dos espaços para efeito de generalização.
    Errado. Na verdade, há definição de lugares, pois há menção direta ao contexto dos retirantes nordestinos durante a seca, há uma generalização dos próprios retirantes em si, não do local.

    C) Análise psicológica da reação dos personagens à seca.
    Errado. O foco não é a análise psicológica dos retirantes, mas sim a descrição física e social das condições de vida dos retirantes.

    D) Engajamento político do narrador ante as desigualdades.
    Errado. Apesar de o texto criticar as desigualdades, ele o faz de forma indireta, por meio da descrição, sem um posicionamento explícito do narrador, muito menos político.

    E) Contemplação lírica da paisagem transformada em alegoria.
    Errado. Lírico é algo cheio de emoções. Alegoria é uma figura de linguagem que, através de uma história, passa uma mensagem. A paisagem não está sendo admirada, ela é pouco mencionada ao longo do texto. Além da descrição não ser lírica, mas sim objetiva.


    Passo 5: Conclusão e justificativa

    A alternativa correta é A) Desenho cru da realidade dramática dos retirantes.

    O texto utiliza uma linguagem direta e marcante para descrever a condição dos retirantes, retratando a miséria de forma visceral, o que é característico do “Romance de 30”. A abordagem objetiva e detalhada evidencia o drama social sem idealizações, reforçando o compromisso literário com a denúncia da realidade.

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