Canção
No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas…
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.
Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto.
Quando as ondas te carregaram
meus olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.
Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.
E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.
MEIRELES, C. In: SECCHIN, A. C. (Org.). Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
Na composição do poema, o tom elegíaco e solene manifesta uma concepção de lirismo fundada na
A) contradição entre a vontade da espera pelo ser amado e o desejo de fuga.
B) expressão do desencanto diante da impossibilidade da realização amorosa.
C) associação de imagens díspares indicativas de esperança no amor futuro.
D) recusa à aceitação da impermanência do sentimento pela pessoa amada.
E) consciência da inutilidade do amor em relação à inevitabilidade da morte

📚 Matérias Necessárias para a Solução da Questão
- Interpretação de texto poético
- Função emotiva da linguagem
- Figuras de linguagem (metáforas, hipérboles)
- Análise do tom e temática lírica
🎯 Nível da Questão: Difícil
✅ Gabarito: Letra B.
✍️ RESOLUÇÃO PASSO A PASSO
📘 Passo 1: Análise do Comando e Objetivo
“Na composição do poema, o tom elegíaco e solene manifesta uma concepção de lirismo fundada na…”
📌 Comando-chave: identificar a concepção de lirismo com base no tom elegíaco e solene do poema.
📚 Elegíaco: tom de lamentação pela perda.
📚 Solene: linguagem elevada, formal, marcada pela seriedade.
🔍 Objetivo da questão: Interpretar o sentimento dominante do poema e o tipo de lirismo que ele expressa — se é marcado por esperança, contradição, aceitação, ou desencanto.
📙 Passo 2: Explicação de Conceitos e Conteúdos Necessários
Conceito | Explicação Didática |
---|---|
🌊 Imagem do mar | Simboliza o tempo, o desconhecido e a separação. As “proas girando” mostram a perda de direção e o naufrágio do encontro amoroso. |
💔 Amor irrealizável | O amor idealizado não se concretiza. É constante, profundo, mas impossível. Isso reforça a ideia de desencanto lírico. |
⏳ Temporalidade infinita | “Esperei todos os séculos” → imagem da espera eterna. Mostra que o tempo não ameniza a dor da ausência. |
🗿 Imobilidade emocional | O eu lírico se compara a uma estátua: olhos cegos, mãos endurecidas. Isso indica a paralisia afetiva causada pela perda. |
🎭 Função emotiva da linguagem | Linguagem centrada no “eu” e na expressão da dor e sentimentos subjetivos. O foco é transmitir a experiência íntima da espera e da perda. |
🧊 Metáforas de congelamento | As ações pararam: “as mãos endureceram”, “o sorriso caiu”. Essas imagens transmitem a ideia de congelamento da vida sem o amor. |
🕊️ Tom elegíaco e solene | Uso de linguagem elevada e lamento sereno. Elegíaco = luto poético. Solene = estilo formal e grave. Ambos reforçam a tristeza contida do eu líric |
📗 Passo 3: Tradução e Interpretação do Texto
Análise por estrofes:
📌 “No desequilíbrio dos mares, / as proas giram sozinhas…”
➡ Imagem de instabilidade e perda de direção. As naves perdidas representam o afastamento do ser amado.
📌 “Eu te esperei todos os séculos / sem desespero e sem desgosto”
➡ A espera é passiva e resignada — sem revolta, mas sem fim.
📌 “E morri de infinitas mortes / guardando sempre o mesmo rosto”
➡ O eu lírico sofre repetidas dores com aparência imutável: dor interna, contida, mas profunda.
📌 “Meus olhos… cegaram como os das estátuas…”
➡ Metáfora da petrificação do sentimento — o amor torna-se fixo, mas estéril, inativo.
📌 “O sorriso… desprendeu-se e caiu de mim”
➡ Até a leveza emocional se esvaiu. Resta apenas o vazio da ausência.
⚓ Interpretação geral: O texto apresenta um amor idealizado, nunca realizado. A linguagem poética é refinada, simbólica e marcada por tristeza contida.
📓 Passo 4: Análise das Alternativas e Resolução
A) contradição entre a vontade da espera pelo ser amado e o desejo de fuga
🔴 Errada. Não há contradição entre esperar e fugir. O poema é todo sobre a espera serena.
💡 Estaria correta se houvesse um conflito interno, como desejo de desistir da espera.
B) expressão do desencanto diante da impossibilidade da realização amorosa
🟢 Correta. O poema inteiro constrói essa imagem: a espera é longa, não há reencontro, o amor não se concretiza, e o eu lírico aceita isso com tristeza resignada.
C) associação de imagens díspares indicativas de esperança no amor futuro
🔴 Errada. As imagens não são de esperança, e sim de perda e paralisia.
💡 Estaria certa se o poema falasse de reconstrução ou retorno do amor.
D) recusa à aceitação da impermanência do sentimento pela pessoa amada
🔴 Errada. O eu lírico aceita a perda e a ausência. Não há resistência ou negação.
💡 Estaria certa se houvesse revolta ou negação da separação.
E) consciência da inutilidade do amor em relação à inevitabilidade da morte
🔴 Errada. O amor não é visto como inútil. Pelo contrário: é eterno na dor e na memória.
💡 Estaria certa se houvesse tom cínico ou niilista.
🏆 Passo 5: Conclusão e Justificativa Final
O poema “Canção”, de Cecília Meireles, é um exemplo tocante de lirismo elegante e dolorido. Com um tom elegíaco, ele mostra como o amor pode persistir mesmo quando se torna irrealizável.
Não há conflito, esperança ou revolta — há apenas a aceitação silenciosa da perda e do não reencontro. Essa visão lírica se traduz perfeitamente na alternativa B, pois revela o desencanto sereno e eterno diante da impossibilidade da realização amorosa. 💔🌫️