Questão 29, caderno azul do ENEM PPL 2019

Canção

No desequilíbrio dos mares,

as proas giram sozinhas…

Numa das naves que afundaram

é que certamente tu vinhas.

Eu te esperei todos os séculos

sem desespero e sem desgosto,

e morri de infinitas mortes

guardando sempre o mesmo rosto.

Quando as ondas te carregaram

meus olhos, entre águas e areias,

cegaram como os das estátuas,

a tudo quanto existe alheias.

Minhas mãos pararam sobre o ar

e endureceram junto ao vento,

e perderam a cor que tinham

e a lembrança do movimento.

E o sorriso que eu te levava

desprendeu-se e caiu de mim:

e só talvez ele ainda viva

dentro destas águas sem fim.

MEIRELES, C. In: SECCHIN, A. C. (Org.). Obra completa.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

Na composição do poema, o tom elegíaco e solene manifesta uma concepção de lirismo fundada na

A) contradição entre a vontade da espera pelo ser amado e o desejo de fuga.

B) expressão do desencanto diante da impossibilidade da realização amorosa.

C) associação de imagens díspares indicativas de esperança no amor futuro.

D) recusa à aceitação da impermanência do sentimento pela pessoa amada.

E) consciência da inutilidade do amor em relação à inevitabilidade da morte

📚 Matérias Necessárias para a Solução da Questão

  • Interpretação de texto poético
  • Função emotiva da linguagem
  • Figuras de linguagem (metáforas, hipérboles)
  • Análise do tom e temática lírica

🎯 Nível da Questão: Difícil

Gabarito: Letra B.


✍️ RESOLUÇÃO PASSO A PASSO

📘 Passo 1: Análise do Comando e Objetivo

“Na composição do poema, o tom elegíaco e solene manifesta uma concepção de lirismo fundada na…”

📌 Comando-chave: identificar a concepção de lirismo com base no tom elegíaco e solene do poema.

📚 Elegíaco: tom de lamentação pela perda.
📚 Solene: linguagem elevada, formal, marcada pela seriedade.

🔍 Objetivo da questão: Interpretar o sentimento dominante do poema e o tipo de lirismo que ele expressa — se é marcado por esperança, contradição, aceitação, ou desencanto.


📙 Passo 2: Explicação de Conceitos e Conteúdos Necessários

ConceitoExplicação Didática
🌊 Imagem do marSimboliza o tempo, o desconhecido e a separação. As “proas girando” mostram a perda de direção e o naufrágio do encontro amoroso.
💔 Amor irrealizávelO amor idealizado não se concretiza. É constante, profundo, mas impossível. Isso reforça a ideia de desencanto lírico.
Temporalidade infinita“Esperei todos os séculos” → imagem da espera eterna. Mostra que o tempo não ameniza a dor da ausência.
🗿 Imobilidade emocionalO eu lírico se compara a uma estátua: olhos cegos, mãos endurecidas. Isso indica a paralisia afetiva causada pela perda.
🎭 Função emotiva da linguagemLinguagem centrada no “eu” e na expressão da dor e sentimentos subjetivos. O foco é transmitir a experiência íntima da espera e da perda.
🧊 Metáforas de congelamentoAs ações pararam: “as mãos endureceram”, “o sorriso caiu”. Essas imagens transmitem a ideia de congelamento da vida sem o amor.
🕊️ Tom elegíaco e soleneUso de linguagem elevada e lamento sereno. Elegíaco = luto poético. Solene = estilo formal e grave. Ambos reforçam a tristeza contida do eu líric


📗 Passo 3: Tradução e Interpretação do Texto

Análise por estrofes:

📌 “No desequilíbrio dos mares, / as proas giram sozinhas…”
➡ Imagem de instabilidade e perda de direção. As naves perdidas representam o afastamento do ser amado.

📌 “Eu te esperei todos os séculos / sem desespero e sem desgosto”
➡ A espera é passiva e resignada — sem revolta, mas sem fim.

📌 “E morri de infinitas mortes / guardando sempre o mesmo rosto”
➡ O eu lírico sofre repetidas dores com aparência imutável: dor interna, contida, mas profunda.

📌 “Meus olhos… cegaram como os das estátuas…”
➡ Metáfora da petrificação do sentimento — o amor torna-se fixo, mas estéril, inativo.

📌 “O sorriso… desprendeu-se e caiu de mim”
➡ Até a leveza emocional se esvaiu. Resta apenas o vazio da ausência.

⚓ Interpretação geral: O texto apresenta um amor idealizado, nunca realizado. A linguagem poética é refinada, simbólica e marcada por tristeza contida.


📓 Passo 4: Análise das Alternativas e Resolução

A) contradição entre a vontade da espera pelo ser amado e o desejo de fuga
🔴 Errada. Não há contradição entre esperar e fugir. O poema é todo sobre a espera serena.
💡 Estaria correta se houvesse um conflito interno, como desejo de desistir da espera.


B) expressão do desencanto diante da impossibilidade da realização amorosa
🟢 Correta. O poema inteiro constrói essa imagem: a espera é longa, não há reencontro, o amor não se concretiza, e o eu lírico aceita isso com tristeza resignada.


C) associação de imagens díspares indicativas de esperança no amor futuro
🔴 Errada. As imagens não são de esperança, e sim de perda e paralisia.
💡 Estaria certa se o poema falasse de reconstrução ou retorno do amor.


D) recusa à aceitação da impermanência do sentimento pela pessoa amada
🔴 Errada. O eu lírico aceita a perda e a ausência. Não há resistência ou negação.
💡 Estaria certa se houvesse revolta ou negação da separação.


E) consciência da inutilidade do amor em relação à inevitabilidade da morte
🔴 Errada. O amor não é visto como inútil. Pelo contrário: é eterno na dor e na memória.
💡 Estaria certa se houvesse tom cínico ou niilista.


🏆 Passo 5: Conclusão e Justificativa Final

O poema “Canção”, de Cecília Meireles, é um exemplo tocante de lirismo elegante e dolorido. Com um tom elegíaco, ele mostra como o amor pode persistir mesmo quando se torna irrealizável.

Não há conflito, esperança ou revolta — há apenas a aceitação silenciosa da perda e do não reencontro. Essa visão lírica se traduz perfeitamente na alternativa B, pois revela o desencanto sereno e eterno diante da impossibilidade da realização amorosa. 💔🌫️

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