Questão 22, caderno azul do ENEM PPL 2019

A expansão do português no Brasil, as variações regionais com suas possíveis explicações e as raízes das inovações da linguagem estão emergindo por meio do trabalho de linguistas que estão desenterrando as raízes do português brasileiro ao examinar cartas pessoais e administrativas, testamentos, relatos de viagens, processos judiciais, cartas de leitores e anúncios de jornais desde o século XVI, coletados em instituições como a Biblioteca Nacional e o Arquivo Público do Estado de São Paulo. No acervo de documentos que servem para estudos sobre o português paulista está uma carta de 1807, escrita pelo soldado Manoel Coelho, que teria seduzido a filha de um fazendeiro. Quando soube, o pai da moça, enfurecido, forçou o rapaz a se casar com ela. O soldado, porém, bateu o pé: “Nem por bem, nem por mar!”, não se casaria. Um linguista pesquisador estranhou a citação, já que o fato se passava na Vila de São Paulo, mas depois percebeu: “Ele quis dizer ‘nem por bem, nem por mal!’. O soldado escrevia como falava. Não se sabe se casou com a filha do fazendeiro, mas deixou uma prova valiosa de como se falava no início do século XIX.”

FIORAVANTI, C. Ora pois, uma língua bem brasileira. Pesquisa Fapesp, n. 230, abr. 2015 (adaptado).

O fato relatado evidencia que fenômenos presentes na fala podem aparecer em textos escritos. Além disso, sugere que 

A) os diferentes falares do português provêm de textos escritos.

B) o tipo de escrita usado pelo soldado era desprestigiado no século XIX.

C) os fenômenos de mudança da língua portuguesa são historicamente previsíveis.

D) as formas variantes do português brasileiro atual já figuravam no português antigo escrito.

E) as origens da norma-padrão do português brasileiro podem ser observadas em textos antigos.

📚 Matérias Necessárias para a Solução da Questão

  • Interpretação de Texto
  • Sociolinguística
  • História da Língua Portuguesa
  • Variação Linguística
  • Escrita versus Oralidade

🎯 Nível da Questão: Médio.

Gabarito: Letra D.


Resolução Passo a Passo

📖 Passo 1: Análise do Comando e Objetivo

Comando da questão:
“O fato relatado evidencia que fenômenos presentes na fala podem aparecer em textos escritos. Além disso, sugere que […]”

Objetivo da questão:
Compreender como fenômenos orais da linguagem (fala informal, variações regionais e populares) podem estar presentes em textos antigos e, a partir disso, perceber que certas formas do português brasileiro atual têm raízes históricas que já aparecem nesses registros.

Palavras-chave:

  • “Fala em textos escritos”
  • “Sugere que” (interpretação inferencial)
  • “Variações linguísticas”
  • “Português antigo”
  • “Atualidade linguística”

🔍 O comando exige interpretação inferencial e conhecimento sobre a formação histórica do português brasileiro, sobretudo no tocante às variações regionais e sociais da língua.


📚 Passo 2: Explicação de Conceitos e Conteúdos Necessários

🔤 Língua falada vs. língua escrita:
A escrita costuma representar a variedade padronizada da língua, enquanto a fala apresenta variações regionais, sociais e culturais, chamadas de formas variantes.

🧬 Variação linguística:
Toda língua viva varia. A forma como um paulista fala pode ser diferente da de um baiano ou gaúcho, por exemplo. Essas variações se expressam na fonética, na gramática, no vocabulário e até na entonação.

📜 Registros históricos e a fala:
Cartas, diários e documentos informais antigos são fontes valiosas para compreender como as pessoas realmente falavam no passado — mesmo que estivessem escrevendo, reproduziam a fala do seu tempo.

🗺️ Sociolinguística histórica:
Campo que estuda como o idioma evolui ao longo do tempo, influenciado por fatores sociais e geográficos.


🧠 Passo 3: Tradução e Interpretação do Texto

Resumo do texto:
Linguistas estão estudando documentos antigos — como cartas, relatos e testamentos — para entender a formação do português brasileiro. Um exemplo marcante foi a carta de um soldado em 1807, que escreveu:

“Nem por bem, nem por mar!”,
ao invés de
“Nem por bem, nem por mal!”.

➡ Isso mostra que ele escrevia como falava. A fala influenciou diretamente sua escrita.

📍 Isso evidencia duas coisas:

  1. Que a fala do povo pode se infiltrar na escrita — especialmente em documentos informais;
  2. Que certas expressões “erradas” hoje já existiam como variação popular no passado, sugerindo continuidade histórica das formas variantes.

📌 Passo 4: Análise das Alternativas (ou Argumentos) e Resolução

Vamos agora analisar uma por uma:

A) “Os diferentes falares do português provêm de textos escritos.”
🔴 Errada.
A fala não nasce da escrita, mas o contrário é que acontece: a escrita tenta registrar a fala, especialmente na tradição popular. A variante falada é mais espontânea e anterior à escrita formal.
Como ficaria certa? Se dissesse: “Textos escritos registram diferentes falares do português”.


B) “O tipo de escrita usado pelo soldado era desprestigiado no século XIX.”
🟡 Parcialmente errada.
É verdade que a escrita popular era vista como inferior, mas não é esse o ponto principal da questão. A ideia aqui não é julgar prestígio linguístico, e sim perceber como a oralidade se manifesta na escrita antiga.
Como ficaria certa? “O tipo de escrita do soldado revela traços da fala popular do século XIX.”


C) “Os fenômenos de mudança da língua portuguesa são historicamente previsíveis.”
🔴 Errada.
Mudanças linguísticas não seguem um padrão previsível e fixo. São dinâmicas, influenciadas por fatores diversos (migração, contato entre línguas, contexto social etc).
Como ficaria certa? Se dissesse: “Mudanças na língua são influenciadas por contextos históricos e sociais.”


D) “As formas variantes do português brasileiro atual já figuravam no português antigo escrito.”
🟢 Correta.
Essa alternativa está alinhada ao texto e à interpretação construída nos passos anteriores. A fala registrada pelo soldado mostra que certas variações linguísticas atuais (como trocas fonéticas e expressões populares) já estavam presentes na escrita de séculos atrás, mesmo que fossem variações da fala.
💡 Isso reforça que o português brasileiro tem uma história viva, marcada pela oralidade e por registros informais.


E) “As origens da norma-padrão do português brasileiro podem ser observadas em textos antigos.”
🔴 Errada.
O texto não fala da norma-padrão, mas sim das formas variantes, ou seja, expressões populares, informais, não padronizadas.
Como ficaria certa? “As formas populares do português brasileiro podem ser observadas em textos antigos.”


🏆 Passo 5: Conclusão e Justificativa Final

✅ O texto mostra que, mesmo nos séculos XVIII e XIX, pessoas escreviam do jeito que falavam — e isso nos permite perceber que certas variações do português falado hoje não são novas, mas sim raízes antigas que foram registradas informalmente.

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