Morte lenta ao luso infame que inventou a calçada portuguesa. Maldito D. Manuel l e sua corja de tenentes Eusébios. Quadrados de pedregulho irregular socados à mão. À mäo! É claro que ia soltar, ninguém reparou que ia soltar? Branco, preto, branco, preto, as ondas do mar de Copacabana. De que me servem as ondas do mar de Copacabana? Me deem chão liso, sem protuberâncias calcárias. Mosaico estúpido. Mania de mosaico. Joga concreto em cima e aplaina. Buraco, cratera, pedra solta, bueiro-bomba. Depois dos setenta, a vida se transforma numa interminável corrida de obstáculos. A queda é a maior ameaça para o idoso. “Idoso”, palavra odienta. Pior, só “terceira idade”. A queda separa a velhice da senilidade extrema. O tombo destrói a cadeia que liga a cabeça aos pés. Adeus, corpo. Em casa, vou de corrimão em corrimão, tateio móveis e paredes, e tomo banho sentado. Da poltrona para a janela, da janela para a cama, da cama para a poltrona, da poltrona para a janela. Olha aí, outra vez, a pedrinha traiçoeira atrás de me pegar. Um dia eu caio, hoje não.
TORRES, F. Fim. São Paulo: Cia. das Letras, 2013
O recurso que caracteriza a organização estrutural desse texto é o(a)
A) justaposição de sequências verbais e nominais.
B) mudança de eventos resultante do jogo temporal.
C) uso de adjetivos qualificativos na descrição do cenário.
D) encadeamento semântico pelo uso de substantivos sinônimos.
E) inter-relação entre orações por elementos linguísticos lógicos.
Resolução em Texto
Matérias Necessárias para a Solução da Questão
- Interpretação de texto
- Progressão Textual
Nível da Questão: Difícil
Gabarito: LETRA A
Passo 1: Análise do comando e definição do objetivo
Comando: A questão pede para identificar qual recurso caracteriza a organização estrutural do texto. O foco é entender como as ideias estão organizadas e conectadas no texto de Fábio Torres, relacionado à descrição do envelhecimento e das dificuldades de um idoso.
Objetivo: Entender qual recurso linguístico o autor usa para dar fluidez à sua narrativa. Em outras palavras, o objetivo é identificar como as frases estão conectadas, seja por repetição, encadeamento lógico ou outra técnica que favoreça a coesão e a continuidade do texto.
Dica Geral: A organização estrutural de um texto pode envolver o uso de diferentes recursos, como a repetição de palavras ou frases, a criação de um ciclo de ações, a construção de uma sequência de eventos ou o uso de metáforas e comparações. Observe como as ideias se encadeiam e se repetem, além de verificar se há alguma relação lógica entre as partes do texto.
Passo 2: Análise das frases-chave do texto
“O tombo destrói a cadeia que liga a cabeça aos pés.”
- Explicação: Aqui, o autor utiliza uma metáfora para descrever o impacto da queda no corpo do idoso, como se houvesse uma “cadeia” entre a cabeça e os pés. Essa cadeia, quando quebrada pelo tombo, simboliza a perda da funcionalidade do corpo, com a ideia de que a queda pode ser um divisor de águas entre a velhice e a senilidade (envelhechimento físico e mental) extrema.
“Em casa, vou de corrimão em corrimão, tateio móveis e paredes, e tomo banho sentado.”
- Explicação: A sequência de verbos (“vou”, “tateio”, “tomo”) e substantivos (“corrimão”, “móveis”, “paredes”) é organizada de maneira direta e objetiva. A justaposição de sequências verbais (com verbo) e nominais (sem verbo) cria uma sensação de continuidade e repetição das ações, mostrando a rotina do idoso de forma fluida.
“Da poltrona para a janela, da janela para a cama, da cama para a poltrona, da poltrona para a janela.”
- Explicação: Novamente, o uso da repetição de lugares e movimentos (“poltrona”, “janela”, “cama”) forma uma justaposição direta entre as ações. Não há conexão explícita entre as orações, mas a repetição cria uma organização estrutural sem complexidade, sugerindo o ciclo de vida repetitivo e sem mudança significativa.
“Olha aí, outra vez, a pedrinha traiçoeira atrás de me pegar.”
- Explicação: O uso direto da expressão “olha aí, outra vez” e a referência à “pedrinha traiçoeira” sem maiores explicações ou intermediários caracteriza um tipo de justaposição simples, onde as ideias estão ligadas por uma repetição direta, mostrando a ameaça constante da queda.
Passo 3: Análise das Alternativas
A) Justaposição de sequências verbais e nominais.
- Correto. O texto se caracteriza pela justaposição de sequências verbais e nominais. A sequência direta de ações e objetos nas frases é um exemplo claro desse recurso. A justaposição cria fluidez na narrativa e reforça a repetição das ações e das experiências do idoso, sem a necessidade de explicações complexas ou conexões lógicas formais.
B) Mudança de eventos resultante do jogo temporal.
- Errado. O texto não apresenta uma variedade clara de situações que sigam momentos específicos. Embora haja uma sequência de ações, ela não é estruturada de forma a indicar uma mudança no tempo ou nos eventos, pelo contrário: há uma repetição constante e previsível das ações do idoso.
C) Uso de adjetivos qualificativos na descrição do cenário.
- Errado. Embora o texto descreva cenas de maneira vívida, a progressão não acontece pelo uso de adjetivos.
D) Encadeamento semântico pelo uso de substantivos sinônimos.
- Errado. O texto não faz uso de substantivos sinônimos, ele utiliza, muitas vezes, a mesmíssima palavra e frase para dar um tom de repetição na narrativa.
E) Inter-relação entre orações por elementos linguísticos lógicos.
- Errado. Embora as frases sejam inter-relacionadas, o texto não utiliza elementos lógicos complexos (como conjunções) para conectar as orações. O recurso predominante é a justaposição direta e simples de frases, sem a intervenção de conectivos lógicos (não, e, se, então, ou).
Passo 4: Conclusão e Justificativa
A alternativa correta é a letra A) Justaposição de sequências verbais e nominais.
O texto é estruturado com a repetição de sequências verbais e nominais, criando uma fluidez e continuidade nas ações e nas experiências do idoso. As frases estão conectadas de maneira direta, sem o uso de conjunções ou outros elementos lógicos mais complexos, o que caracteriza uma justaposição simples. Esse recurso estrutural é fundamental para transmitir a rotina repetitiva e a sensação de estagnação enfrentada pelo protagonista do texto.
