Questão 16, caderno azul do ENEM 2018 – Dia 1

Somente uns tufos secos de capim empedrados crescem na silenciosa baixada que se perde de vista. Somente uma árvore, grande e esgalhada mas com pouquíssimas folhas, abre-se em farrapos de sombra. Único ser nas cercanias, a mulher é magra, ossuda, seu rosto está lanhado de vento. Não se vê o cabelo, coberto por um pano desidratado. Mas seus olhos, a boca, a pele – tudo é de uma aridez sufocante. Ela está de pé. A seu lado está uma pedra. O sol explode.

Ela estava de pé no fim do mundo. Como se andasse para aquela baixada largando para trás suas noções de si mesma. Desapossada e despojada, não se abate em auto acusações e remorsos. Vive.

Sua sombra somente é que lhe faz companhia. Sua sombra, que se derrama em traços grossos na areia, é que adoça como um gesto a claridade esquelética. A mulher esvaziada emudece, se dessangra, se cristaliza, se mineraliza. Já é quase de pedra como a pedra a seu lado. Mas os traços de sua sombra caminham e, tomando-se mais longos e finos, esticam-se para os farrapos de sombra da ossatura da árvore, com os quais se enlaçam.

FROÉS, L. Vertigensobra reunida. Rio de Janeiro: Rocco, 1998

Na apresentação da paisagem e da personagem, o narrador estabelece uma correlação de sentidos em que esses elementos se entrelaçam. Nesse processo, a condição humana figura-se

a) amalgamada pelo processo comum de desertificação e de solidão.

b) fortalecida pela adversidade extensiva à terra e seres vivos.

c) redimensionada pela intensidade da luz e da exuberância local.

d) imersa num drama existencial de identidade e de origem.

e) imobilizada pela escassez e pela opressão do ambiente.

Resolução em texto

Matérias Necessárias para a Solução da Questão

  • Interpretação de texto – Para compreender a fusão entre a personagem e a paisagem.
  • Figuras de linguagem – Para reconhecer metáforas e personificações na descrição.
  • Análise do discurso narrativo – Para entender como o narrador constrói o paralelo entre a mulher e o ambiente.
  • Simbolismo literário – Para interpretar a aridez como representação da solidão e do esvaziamento emocional.

Nível da Questão: Médio – Exige que o candidato perceba a fusão simbólica entre a personagem e o ambiente, identificando elementos do texto que confirmam essa correlação e sua relação com a solidão e a aridez existencial.

Gabarito: Letra A – Amalgamada pelo processo comum de desertificação e de solidão.


Passo 1: Análise do Comando e Objetivo

Comando da questão:

O comando da questão pede que identifiquemos como a condição humana é representada na narrativa, considerando a relação entre a personagem e a paisagem. O foco, portanto, está na forma como esses elementos se misturam e se influenciam no texto.

Palavras-chave:

  • Correlação de sentidos – Indica que há uma relação simbólica entre a paisagem e a personagem.
  • Entrelaçamento – Mostra que o texto não trata desses elementos separadamente, mas sim como uma unidade.
  • Condição humana – Refere-se ao estado físico e emocional da personagem dentro do contexto apresentado.

Objetivo da questão: Identificar como a personagem e a paisagem se fundem simbolicamente e o que essa fusão representa em termos da existência humana.


Passo 2: Explicação de Conceitos e Conteúdos Necessários

Para entender a questão, é essencial dominar alguns conceitos:

  • Metáfora e fusão entre personagem e ambiente: A narrativa utiliza descrições que fazem com que a personagem e a paisagem pareçam uma só coisa.
  • Personificação: Elementos da paisagem ganham características humanas, reforçando a ideia de integração entre ser humano e natureza.
  • Aridez como símbolo de esvaziamento emocional: A secura do ambiente reflete a solidão e a perda de identidade da personagem.
  • Processo de desertificação: Tanto a terra quanto a mulher se tornam “pedra”, desprovidas de vida e emoção, o que reforça o caráter simbólico da narrativa.

Passo 3: Tradução e Interpretação do Texto

O texto apresenta uma paisagem árida e desolada, caracterizada por elementos como “tufos secos de capim”, “pouquíssimas folhas” e “sol explode”. Essa ambientação remete a um espaço inóspito, sem vida e marcado pela seca.

A personagem feminina é descrita de forma semelhante ao ambiente, com “rosto lanhado de vento” e um “pano desidratado” cobrindo sua cabeça. A fusão entre a mulher e a paisagem se intensifica no trecho:

“A mulher esvaziada emudece, se dessangra, se cristaliza, se mineraliza. Já é quase de pedra como a pedra a seu lado.”

Esse trecho sugere que a mulher e o ambiente passam por um processo de desumanização e endurecimento, tornando-se parte de um cenário desértico e solitário.

O uso da sombra também tem um papel simbólico. A sombra da mulher se mistura com a sombra da árvore, o que pode ser interpretado como uma tentativa de conexão, ainda que mínima, dentro de um espaço de isolamento.

Assim, o texto constrói um paralelo entre a condição da mulher e a própria paisagem, reforçando a ideia de uma solidão extrema e uma transformação gradual da personagem em algo inerte, como a terra ao seu redor.


Passo 4: Desenvolvimento do Raciocínio

A relação entre personagem e paisagem no texto não é meramente descritiva, mas sim simbólica. A mulher não apenas está no ambiente árido, ela se torna parte dele.

A progressão da narrativa mostra como a personagem se esvazia, se cristaliza e se mineraliza, evidenciando um processo de desumanização. A paisagem não é um mero cenário passivo, mas sim um reflexo da condição da mulher.

A escolha da alternativa correta deve considerar esse aspecto fundamental: o entrelaçamento simbólico entre ser humano e natureza, em que ambos compartilham um destino de desertificação e solidão.

Portanto, a alternativa que melhor expressa essa fusão é a letra A, pois o termo “amalgamada” – que significa fundida de maneira inseparável – traduz essa ideia de integração entre o indivíduo e o meio, ambos afetados pelo mesmo processo de aridez e isolamento.


Passo 5: Análise das Alternativas e Resolução

a) Amalgamada pelo processo comum de desertificação e de solidão.
Correta. O termo “amalgamada” indica fusão, e o texto deixa claro que a mulher e o ambiente se misturam simbolicamente. Ambos passam por um processo de aridez e desolação, evidenciado na transformação da mulher em pedra e na secura da paisagem.

b) Fortalecida pela adversidade extensiva à terra e seres vivos.
Errada. Se essa alternativa estivesse correta, a mulher demonstraria força e resistência diante da paisagem hostil. No entanto, o texto não enfatiza resiliência, e sim um processo de fusão e esvaziamento emocional, o que torna essa alternativa incorreta.

c) Redimensionada pela intensidade da luz e da exuberância local.
Errada. Se essa alternativa estivesse correta, o texto deveria apresentar um cenário vibrante, cheio de luz e vida, mas o ambiente descrito é árido e desolado, sem exuberância alguma. Portanto, essa alternativa não se encaixa na análise.

d) Imersa num drama existencial de identidade e de origem.
Errada. Se essa alternativa estivesse correta, o texto deveria destacar um conflito interno relacionado à identidade ou à busca por pertencimento. Porém, o que se observa é a fusão da mulher ao ambiente, sem um questionamento direto sobre sua origem ou identidade.

e) Imobilizada pela escassez e pela opressão do ambiente.
Errada. Se essa alternativa estivesse correta, a personagem deveria estar incapacitada de agir devido às condições do ambiente. No entanto, o texto não sugere que a mulher está paralisada, e sim que ela se funde simbolicamente ao cenário.


Passo 6: Conclusão e Justificativa Final

O texto constrói uma correlação entre a mulher e a paisagem árida, mostrando como ambos passam por um processo de esvaziamento e solidão. A repetição da ideia de que a mulher se torna pedra reforça essa fusão simbólica.

A alternativa correta é:
a) Amalgamada pelo processo comum de desertificação e de solidão.


Resumo Final

  • A questão exige a compreensão da relação simbólica entre personagem e ambiente.
  • O texto utiliza figuras de linguagem para reforçar a fusão entre a mulher e a paisagem.
  • A solidão e a aridez do cenário representam um processo de desertificação também na condição humana.
  • A alternativa correta (A) expressa essa união simbólica, destacando o esvaziamento e a fusão da mulher com o meio.

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