A nossa emotividade literária só se interessa pelos populares do sertão, unicamente porque são pitorescos e talvez não se possa verificar a verdade de suas criações. No mais é uma continuação do exame de português, uma retórica mais difícil, a se desenvolver por este tema sempre o mesmo: Dona Dulce, moça de Botafogo em Petrópolis, que se casa com o Dr. Frederico. O comendador seu pai não quer porque o tal Dr. Frederico, apesar de doutor, não tem emprego. Dulce vai à superiora do colégio de irmãs. Esta escreve à mulher do ministro, antiga aluna do colégio, que arranja um emprego para o rapaz. Está acabada a história. É preciso não esquecer que Frederico é moço pobre, isto é, o pai tem dinheiro, fazenda ou engenho, mas não pode dar uma mesada grande.
Está aí o grande drama de amor em nossas letras, e o tema de seu ciclo literário.
BARRETO, L. Vida e morte de MJ Gonzaga de Sá. Disponível em: www.brasiliana.usp.br. Acesso em: 10 ago. 2017.
Situado num momento de transição, Lima Barreto produziu uma literatura renovadora em diversos aspectos. No fragmento, esse viés se fundamenta na
a) releitura da importância do regionalismo.
b) ironia ao folhetim da tradição romântica.
c) desconstrução da formalidade parnasiana.
d) quebra da padronização do gênero narrativo.
e) rejeição à classificação dos estilos de época.
📚 Matérias Necessárias para a Solução da Questão
Interpretação de texto, Gêneros Literários, Ironia, Crítica ao Romantismo, Contexto histórico-literário (Pré-Modernismo), Estilos de época.
🎯 Nível da Questão: Médio
✅ Gabarito: Letra b.
📖 Passo 1: Análise do Comando e Objetivo
Comando: “No fragmento, esse viés [renovador da literatura de Lima Barreto] se fundamenta na…”
Esse comando nos pede para identificar qual elemento no texto ilustra o caráter renovador da obra de Lima Barreto, ou seja, como ele rompe ou critica a tradição literária anterior.
Palavras-chave para destrinchar aqui:
- Viés renovador: aquilo que rompe com o padrão tradicional.
- Se fundamenta: está baseado em, ou é sustentado por.
- Fragmento: indica que devemos observar o trecho fornecido com muita atenção.
🎯 Objetivo da questão: Reconhecer como a crítica ao romantismo tradicional (especificamente ao estilo folhetinesco) se manifesta na obra de Lima Barreto por meio de ironia.
📖 Passo 2: Explicação de Conceitos e conteúdos Necessários
📌 Folhetim romântico: Tipo de narrativa romântica publicada em capítulos nos jornais do século XIX. Geralmente centrado em dramas amorosos, com enredos idealizados, linguagem rebuscada e finais felizes – como o exemplo dado: moça rica + rapaz pobre, obstáculos familiares, superação por meio de ajuda influente, final feliz.
📌 Ironia: Recurso linguístico e literário usado para criticar ou ridicularizar, geralmente por meio de um tom de zombaria, exagero ou contraste entre o que é dito e o que realmente se quer dizer.
📌 Lima Barreto e o Pré-Modernismo: Barreto escreveu criticando a elite, o formalismo exagerado da linguagem e os temas “desconectados da realidade”. Ele usava uma linguagem mais direta e fazia sátira das convenções literárias da época.
📖 Passo 3: Tradução e Interpretação do Texto
📌 Contexto do trecho: O narrador critica a literatura brasileira da época, que ignora a complexidade do povo do sertão e se prende a dramas banais, repetitivos e irreais, como o da moça rica e o doutor desempregado.
📌 Frases-chave para resolver:
- “No mais é uma continuação do exame de português” → crítica ao formalismo excessivo.
- “Está aí o grande drama de amor em nossas letras” → tom nitidamente irônico.
- “o pai tem dinheiro, fazenda ou engenho, mas não pode dar uma mesada grande” → ridiculariza o conflito do casal.
📌 Leitura crítica: O narrador zomba da artificialidade do drama romântico, que gira em torno de pequenos entraves sociais entre ricos, ignorando os verdadeiros problemas do Brasil.
📖 Passo 4: Análise das Alternativas (ou Argumentos) e Resolução
a) releitura da importância do regionalismo 🔴
Errado. O texto sequer explora o regionalismo como tema principal. Barreto menciona os “populares do sertão”, mas só para dizer que são ignorados ou tratados de forma superficial.
Ficaria certa se: o texto focasse em revalorizar de fato as culturas regionais e seus personagens com profundidade.
b) ironia ao folhetim da tradição romântica 🟢
Correto! O autor usa a ironia para criticar os enredos do tipo “Dona Dulce e Dr. Frederico”, típicos de folhetins românticos, ridicularizando-os como irrelevantes e fantasiosos diante da realidade brasileira.
c) desconstrução da formalidade parnasiana 🟡
Parcialmente correta. Embora Lima Barreto critique o formalismo literário (“exame de português”), o foco do texto está mais na crítica ao conteúdo do romance romântico, e não ao estilo poético parnasiano.
Ficaria certa se: o texto se concentrasse na linguagem, métrica, vocabulário rebuscado ou valorização da forma sobre o conteúdo.
d) quebra da padronização do gênero narrativo 🔴
Errado. Apesar de Barreto subverter temas clássicos, ele ainda está escrevendo uma narrativa. Não há ruptura com o gênero em si, mas com o seu conteúdo e seus clichês.
Ficaria certa se: houvesse uma inovação estrutural clara na forma de narrar, misturando gêneros ou quebrando o formato narrativo tradicional.
e) rejeição à classificação dos estilos de época 🔴
Errado. Barreto não discute estilos de época diretamente, nem propõe rejeitar classificações literárias.
Ficaria certa se: o texto problematizasse os rótulos como “romântico”, “parnasiano”, “realista”, etc., ou propusesse uma literatura que não se encaixasse em nenhum estilo.
🏆 Passo 5: Conclusão e Justificativa Final
Lima Barreto, com sua visão crítica e inovadora, ironiza os clichês do folhetim romântico, escancarando o quão fúteis são os dramas da elite retratados nessas histórias. Ao apresentar uma caricatura da narrativa sentimental clássica — com emprego arranjado por influência, e mesada como problema central — ele ridiculariza a tradição romântica e aponta para a necessidade de uma literatura mais conectada com o povo e com a realidade brasileira. Por isso, a alternativa correta é a letra B. 🎯📚✅
