Questão 19, caderno azul do ENEM 2020

Senhor Juiz
O instrumento do “crime” que se arrola
Nesse processo de contravenção
Não é faca, revólver ou pistola,
Simplesmente, doutor, é um violão.
Será crime, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado
Derramando nas praças suas dores?
Mande, pois, libertá-lo da agonia
(a consciência assim nos insinua)
Não sufoque o cantar que vem da rua,
Que vem da noite para saudar o dia.
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento.
Disponível em: www.migalhas.com.br.
Acesso em: 23 set. 2020 (adaptado).

Essa petição de habeas corpus, ao transgredir o rigor da linguagem jurídica
,

A) permite que a narrativa seja objetiva e repleta de sentidos denotativos.
B) mostra que o cordel explora termos próprios da esfera do direito.
C) demonstra que o jogo de linguagem proposto atenua a gravidade do delito.
D) exemplifica como o texto em forma de cordel compromete a solicitação pretendida.
E) esclarece que os termos “crime” e “processo de contravenção” são sinônimos.

Matérias Necessárias para a Solução da Questão

  • Interpretação de texto
  • Funções de Linguagem
  • Estilos literários

Nível da Questão: Médio

Gabarito: Letra C.


Resolução Passo a Passo


Passo 1: Análise do Comando e Objetivo

O enunciado nos apresenta um texto que se configura como uma petição de habeas corpus, sendo escrito em forma de cordel, um gênero literário caracterizado pela poesia popular. A questão pede que se analise o texto em relação à linguagem jurídica e aos efeitos provocados pela transgressão dessa linguagem. O comando da questão nos solicita que observemos como essa transgressão da norma jurídica influencia na natureza do “crime” abordado. O objetivo é perceber o efeito dessa linguagem mais descontraída e emocional, contrastando com a seriedade da linguagem jurídica.


Passo 2: Tradução e Interpretação do Texto

O texto apresentado é uma petição de habeas corpus em que o autor, ao invés de usar a formalidade e a objetividade típicas de documentos legais, faz uso da linguagem popular e poética do cordel. Ele usa o violão, e não uma arma convencional como faca ou pistola, como “instrumento do crime”, o que já indica uma distorção do rigor técnico e do formalismo jurídico. O tom poético e subjetivo das palavras sugere que a gravidade do “delito” seja suavizada pela arte de cantar e tocar, trazendo uma sensação de alívio da “agoniado” (sofrimento) do réu.


Passo 3: Explicação de Conceitos e Conteúdos Necessários

  • Função Conotativa da Linguagem: No caso, a linguagem do cordel carrega uma forte carga emocional e expressiva, buscando um efeito subjetivo. Ela atenua a percepção de gravidade que a linguagem jurídica tradicional traria.

  • Linguagem Jurídica: A linguagem jurídica tem como objetivo a precisão e a clareza, sendo objetiva e impessoal. Ao ser transgredida, a forma jurídica se torna mais aberta a interpretações subjetivas, como é o caso do uso do cordel.

  • Cordel: O cordel é um gênero literário popular, com forte conotação poética e simbólica, que contrasta com a linguagem formal e impessoal da jurisprudência.

Passo 4: Desenvolvimento do Raciocínio

O texto busca suavizar a severidade do sistema jurídico ao envolver a poesia do cordel. A utilização do violão como “instrumento de crime”, a descrição do réu como “desgraçado” que perambula pelas ruas e as expressões que fazem alusão ao sofrimento e à redenção através da música, como “não sufoque o cantar que vem da rua”, ajudam a diminuir a percepção de gravidade do ato. Assim, o jogo de linguagem utilizado visa atenuar a seriedade do delito, sugerindo que a música e a liberdade de expressão podem ter um efeito redentor e curativo, em oposição à punição rigorosa.


Passo 5: Análise das Alternativas

Alternativa A: “A permite que a narrativa seja objetiva e repleta de sentidos denotativos.”
Errada: O uso do cordel compromete a objetividade da narrativa, pois se afasta da linguagem denotativa e técnica do direito. A linguagem do texto é claramente conotativa, buscando evocar emoções e imagens poéticas, não sendo objetiva.

Alternativa B: “Mostra que o cordel explora termos próprios da esfera do direito.”
Errada: Embora o cordel faça referência ao direito, ele não utiliza “termos próprios da esfera do direito”, mas sim uma abordagem poética e metafórica. A transgressão da linguagem jurídica é clara, pois o estilo cordeliano se distancia da formalidade legal.

Alternativa C: “Demonstra que o jogo de linguagem proposto atenua a gravidade do delito.”
Certa: O uso do cordel, com suas imagens poéticas e emocionais, suaviza a visão sobre o “crime”. O violão, como instrumento do crime, e a descrição do réu como alguém que “perambula” derramando “suas dores”, minimizam a seriedade do ato, tornando a situação mais humana e menos rigorosa.

Alternativa D: “Exemplifica como o texto em forma de cordel compromete a solicitação pretendida.”
Errada: Embora o estilo do cordel possa ser inusitado em um contexto jurídico, ele não compromete a solicitação. Na verdade, o apelo poético pode ser visto como uma tentativa de sensibilizar o juiz, o que não prejudica a petição.

Alternativa E: “Esclarece que os termos “crime” e “processo de contravenção” são sinônimos.”
Errada: A questão de sinônimos não é abordada no texto. O termo “crime” é utilizado de maneira figurada e não se está fazendo uma relação direta entre ele e o “processo de contravenção” de forma explicativa. A questão foca na transgressão da linguagem jurídica.


Passo 6: Conclusão e Justificativa Final

Conclusão:
A alternativa correta é a C, pois ela entende que o uso do cordel visa suavizar a gravidade do delito, fazendo uso de uma linguagem emocional e simbólica para amenizar o impacto de uma acusação jurídica.

Resumo Final:
A transgressão da linguagem jurídica no texto é uma estratégia para suavizar a gravidade do ato, utilizando a forma do cordel para amenizar a percepção do “crime”. A alternativa C está correta ao destacar que o jogo de linguagem proposto atenua a seriedade do delito.

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