Questão 117, caderno azul do ENEM 2016

Você pode não acreditar

Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que os leiteiros deixavam as garrafinhas de leite do lado de fora das casas, seja ao pé da porta, seja na janela.
A gente ia de uniforme azul e branco para o grupo, de manhãzinha, passava pelas casas e não ocorria que alguém pudesse roubar aquilo.
Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que os padeiros deixavam o pão na soleira da porta ou na janela que dava para a rua. A gente passava e via aquilo como uma coisa normal.
Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que você saía à noite para namorar e voltava andando pelas ruas da cidade, caminhando displicentemente, sentindo cheiro de jasmim e de alecrim, sem olhar para trás, sem temer as sombras.
Você pode não acreditar: houve um tempo em que as pessoas se visitavam airosamente. Chegavam no meio da tarde ou à noite, Contavam casos, tomavam café, falavam da saúde, tricotavam sobre a vida alheia e voltavam de bonde às suas casas.
Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que o namorado primeiro ficava andando com a moça numa rua perto da casa dela, depois passava a namorar no portão, depois tinha ingresso na sala da família. Era sinal de que já estava praticamente noivo e seguro.
Houve um tempo em que havia tempo.
Houve um tempo.

SANT’ANNA, A. R. Estado de Minas. 5 maio 2013 (fragmento).

Nessa crônica, a repetição do trecho “Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que…” configura-se como uma estratégia argumentativa que visa

A) surpreender o leitor com a descrição do que as pessoas faziam durante o seu tempo livre antigamente.
B) sensibilizar o leitor sobre o modo como as pessoas se relacionavam entre si num tempo mais aprazível.
C) advertir o leitor mais jovem sobre o mau uso que se faz do tempo nos dias atuais.
D) incentivar o leitor a organizar melhor o seu tempo sem deixar de ser nostálgico.
E) convencer o leitor sobre a veracidade de fatos relativos à vida no passado.

📚 Matérias Necessárias para a Solução da Questão

  • Interpretação de Texto
  • Estratégias Argumentativas
  • Funções da Linguagem
  • Estruturas Narrativas em Crônicas

🎯 Nível da Questão: Médio

Gabarito: Letra B.


📖 Resolução Passo a Passo

🔹 Passo 1: Análise do Comando e Objetivo

A questão pede que identifiquemos a estratégia argumentativa utilizada na repetição do trecho “Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que…”. O termo estratégia argumentativa indica que devemos entender como essa repetição atua na construção do texto e qual efeito ela provoca no leitor.

O objetivo da questão é compreender o impacto emocional e argumentativo da repetição e identificar qual alternativa melhor traduz esse efeito.


🔹 Passo 2: Explicação de Conceitos e Conteúdos Necessários

📌 Estratégia Argumentativa pela Repetição: Repetir uma estrutura frasal ao longo do texto pode reforçar uma ideia, enfatizar um sentimento ou gerar um efeito rítmico que prende a atenção do leitor.

📌 Função Emotiva da Linguagem: O autor expressa sua visão nostálgica sobre o passado e busca envolver emocionalmente o leitor.

📌 Crônica e Nostalgia: A crônica é um gênero textual que frequentemente mistura narração, descrição e reflexão, abordando temas cotidianos. Esse texto, em particular, tem um tom nostálgico ao relembrar costumes do passado.


🔹 Passo 3: Tradução e Interpretação do Texto

A estrutura do texto baseia-se na repetição da frase “Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que…”, o que reforça a ideia de que os tempos mudaram e que antes havia uma convivência mais harmoniosa.

O tom nostálgico se intensifica na última frase: “Houve um tempo em que havia tempo. Houve um tempo.” Essa construção sugere uma reflexão sobre a passagem do tempo e como os hábitos sociais mudaram.

A intenção do autor não é apenas descrever eventos passados, mas emocionar e sensibilizar o leitor para uma época que, na visão dele, era mais simples e acolhedora.


🔹 Passo 4: Desenvolvimento do Raciocínio

O autor não tenta convencer o leitor com dados ou argumentos racionais, mas sim com a evocação de sentimentos e lembranças. A repetição da frase “Você pode não acreditar…” estabelece um diálogo indireto com o leitor, reforçando a ideia de que aquele tempo já não existe mais.

Esse tom nostálgico e a escolha de situações afetivas (como namoros à moda antiga, leiteiros e padeiros confiáveis, visitas sem formalidade) mostram um passado idealizado. O efeito dessa construção é justamente sensibilizar o leitor sobre as relações humanas dessa época e como elas parecem ter se perdido com o tempo.


🔹 Passo 5: Análise das Alternativas e Resolução

A) Surpreender o leitor com a descrição do que as pessoas faziam no tempo livre. ❌ ERRADA
O texto não se limita a descrever atividades do passado, mas tem um objetivo emocional e reflexivo. Para que essa alternativa estivesse correta, a crônica deveria apenas relatar costumes antigos, sem um apelo nostálgico.


B) Sensibilizar o leitor sobre o modo como as pessoas se relacionavam entre si num tempo mais aprazível. ✅ CORRETA
O autor usa a repetição e a nostalgia para tocar emocionalmente o leitor e mostrar como as relações humanas eram vistas como mais acolhedoras no passado.


C) Advertir o leitor mais jovem sobre o mau uso que se faz do tempo nos dias atuais. ❌ ERRADA
O texto não tem um tom de advertência nem crítica direta ao presente. Se houvesse frases como “Hoje em dia, as pessoas não vivem assim…”, essa alternativa faria sentido.


D) Incentivar o leitor a organizar melhor o seu tempo sem deixar de ser nostálgico. ❌ ERRADA
A crônica não sugere mudanças de comportamento nem dá conselhos sobre organização do tempo. Para essa alternativa estar correta, o texto precisaria incluir frases como “Devemos recuperar esses hábitos.”


E) Convencer o leitor sobre a veracidade de fatos relativos à vida no passado. ❌ ERRADA
O texto não busca provar que esses fatos realmente aconteceram, mas sim provocar um sentimento de saudade e reflexão. Para essa alternativa estar correta, o autor deveria apresentar evidências históricas.


🏆 Passo 6: Conclusão e Justificativa Final

A repetição da estrutura “Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que…” não tem um propósito meramente descritivo ou informativo, mas sim emocional e argumentativo. O texto se baseia na nostalgia e no tom afetivo para sensibilizar o leitor, mostrando um passado idealizado onde as relações eram mais próximas e o tempo parecia mais generoso.

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