Pérolas absolutas
Há, no seio de uma ostra, um movimento – ainda que imperceptível. Qualquer coisa imiscuiu-se pela fissura, uma partícula qualquer, diminuta e invisível. Venceu as paredes lacradas, que se fecham como a boca que tem medo de deixar escapar um segredo. Venceu. E agora penetra o núcleo da ostra, contaminando-lhe a própria substância. A ostra reage, imediatamente. E começa a secretar o nácar. É um mecanismo de defesa, uma tentativa de purificação contra a partícula invasora. Com uma paciência de fundo de mar, a ostra profanada continua seu trabalho incansável, secretando por anos a fio o nácar que aos poucos se vai solidificando. É dessa solidificação que nascem as pérolas.
As pérolas são, assim, o resultado de uma contaminação. A arte por vezes também. A arte é quase sempre a transformação da dor. […] Escrever é preciso. É preciso continuar secretando o nácar, formar a pérola que talvez seja imperfeita, que talvez jamais seja encontrada e viva para sempre encerrada no fundo do mar. Talvez estas, as pérolas esquecidas, jamais achadas, as pérolas intocadas e por isso absolutas em si mesmas, guardem em si uma parcela faiscante da eternidade.
SEIXAS, H. Uma ilha chamada livro. Rio de Janeiro: Record, 2009 (fragmento).
Considerando os aspectos estéticos e semânticos presentes no texto, a imagem da pérola configura uma percepção que
A) reforça o valor do sofrimento e do esquecimento para o processo criativo.
B) ilustra o conflito entre a procura do novo e a rejeição ao elemento exótico.
C) concebe a criação literária como trabalho progressivo e de autoconhecimento.
D) expressa a ideia de atividade poética como experiência anônima e involuntária.
E) destaca o efeito introspectivo gerado pelo contato com o inusitado e com o desconhecido.

📚 Matérias Necessárias para a Solução da Questão
Interpretação de texto, Figuras de linguagem (metáfora), Análise semântica, Estrutura argumentativa.
🎯 Nível da Questão: Médio.
✅ Gabarito: Letra C.
📖 Resolução Passo a Passo
🔎 Passo 1: Análise do Comando e Objetivo
A questão pede para analisar a imagem da pérola no texto e sua relação com o processo de criação artística. O foco está nos aspectos estéticos e semânticos, ou seja, tanto na construção da metáfora quanto no significado transmitido por ela.
O objetivo da questão é identificar qual alternativa melhor representa essa ideia simbólica.
📚 Passo 2: Explicação de Conceitos e Conteúdos Necessários
Para resolver essa questão, precisamos entender metáfora, pois o texto usa um fenômeno natural (a formação da pérola) para explicar um processo humano (a criação artística).
A metáfora funciona assim:
📌 Ostra → Escritor
📌 Partícula invasora → Dor, experiência que provoca a escrita
📌 Nácar → Trabalho contínuo do artista
📌 Pérola → Obra literária
Além disso, o texto destaca que a arte nasce de um processo progressivo e transformador, algo que leva tempo e dedicação.
🧐 Passo 3: Tradução e Interpretação do Texto
O texto descreve como a pérola se forma dentro da ostra a partir de um elemento invasor. Esse elemento é inicialmente um incômodo, mas, com o tempo, a ostra o transforma em algo valioso.
Depois, o autor faz a comparação direta:
🔹 “As pérolas são, assim, o resultado de uma contaminação. A arte por vezes também.”
Ou seja, a arte surge do incômodo, da dor, da experiência.
🔹 “Escrever é preciso. É preciso continuar secretando o nácar.”
Isso indica que a escrita é um processo contínuo e progressivo, reforçando a ideia de trabalho constante para atingir um resultado.
🔹 “Talvez estas, as pérolas esquecidas, jamais achadas, as pérolas intocadas e por isso absolutas em si mesmas, guardem em si uma parcela faiscante da eternidade.”
Aqui, há um toque de introspecção e de valorização da arte pelo próprio processo, independentemente do reconhecimento externo.
🔎 Passo 4: Desenvolvimento do Raciocínio
Com base no que foi analisado, o texto apresenta a criação literária como um processo progressivo e de autoconhecimento.
A ostra trabalha incessantemente para transformar a partícula estranha em algo valioso, assim como o escritor transforma experiências (muitas vezes dolorosas) em literatura.
Além disso, o ato de escrever é descrito como um exercício contínuo e interno, sugerindo um processo de aprendizado e refinamento do artista ao longo do tempo.
✅ Passo 5: Análise das Alternativas e Resolução
🔴 A) Reforça o valor do sofrimento e do esquecimento para o processo criativo.
🚫 Errada. O texto menciona a dor como um elemento transformador, mas não coloca o esquecimento como algo essencial para a criação. Pelo contrário, ele valoriza o trabalho constante do artista.
🔴 B) Ilustra o conflito entre a procura do novo e a rejeição ao elemento exótico.
🚫 Errada. O texto não trata de um “conflito” ou rejeição ao exótico, mas sim de um processo de transformação e aceitação da experiência.
🟢 C) Concebe a criação literária como trabalho progressivo e de autoconhecimento.
✅ Correta! O texto mostra a escrita como um processo contínuo, no qual o escritor refina seu trabalho ao longo do tempo, exatamente como a ostra forma a pérola.
🔴 D) Expressa a ideia de atividade poética como experiência anônima e involuntária.
🚫 Errada. Embora o texto mencione que algumas pérolas podem nunca ser encontradas, isso não significa que o processo de escrita seja involuntário. Pelo contrário, ele exige esforço.
🔴 E) Destaca o efeito introspectivo gerado pelo contato com o inusitado e com o desconhecido.
🚫 Errada. O texto enfatiza mais a transformação da experiência do que a simples introspecção ou impacto inicial do desconhecido.
🏆 Passo 6: Conclusão e Justificativa Final
O texto constrói uma metáfora entre a formação da pérola e o processo artístico. Assim como a ostra transforma uma partícula incômoda em uma joia, o escritor transforma sua dor e experiências em literatura.