A draga
A gente não sabia se aquela draga tinha nascido ali, no porto, como um pé de árvore ou uma duna.
– E que fosse uma casa de peixes?
Meia dúzia de loucos e bêbados moravam dentro dela, enraizados em suas ferragens.
Dos viventes da draga era um o meu amigo Mário-pega-sapo.
[…]
Quando Mário morreu, um literato oficial, em necrológico caprichado, chamou-o de Mário-Captura-Sapo! Ai que dor!
Ao literato cujo fazia-lhe nojo a forma coloquial.
Queria captura em vez de pega para não macular (sic) a língua nacional lá dele…
[…]
Da velha draga
Abrigo de vagabundos e de bêbados, restaram as expressões: estar na draga, viver na draga por estar sem dinheiro, viver na miséria
Que ora ofereço ao filólogo Aurélio Buarque de Hollanda
Para que as registre em seus léxicos
Pois o povo já as registrou.
BARROS, M. Gramática expositiva do chão: poesia quase toda. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990 (fragmento).
Ao criticar o preciosismo linguístico do literato e ao sugerir a dicionarização de expressões locais, o poeta expressa uma concepção de língua que
A) contrapõe características da escrita e da fala.
B) ironiza a comunicação fora da norma-padrão.
C) substitui regionalismos por registros formais.
D) valoriza o uso de variedades populares.
E) defende novas regras gramaticais.

Resolução em Texto
Matérias Necessárias para a Solução:
- Interpretação de texto.
- Análise de concepções linguísticas.
- Identificação do uso de variedades linguísticas e crítica social.
Nível da Questão: Médio.
Gabarito: Letra D.
1º Passo: Análise do Comando e Definição do Objetivo
Comando da Questão:
Identificar a concepção de língua expressa pelo poeta ao criticar o preciosismo linguístico e sugerir a inclusão de expressões locais no dicionário.
Palavras-chave:
- “Preciosismo linguístico”
- “Dicionarização de expressões locais”
- “Concepção de língua”
Objetivo:
Compreender a valorização do uso das variedades populares em contraposição à norma-padrão.
Dica Geral:
⚠️ Ao analisar textos que tratam de linguagem, observe como o autor valoriza ou critica o uso da norma-padrão e as variedades linguísticas, especialmente em contextos populares.
2º Passo: Tradução e Interpretação do Texto
- Contexto do texto:
- O poeta critica o “literato oficial” por corrigir a expressão “Mário-pega-sapo” para “Mário-Captura-Sapo”, indicando desprezo pela linguagem popular.
- A draga é descrita como um lugar de vivência e criação popular, cujas expressões locais como “estar na draga” e “viver na draga” refletem a cultura do povo.
- O poeta sugere que essas expressões sejam registradas nos dicionários, destacando que o povo já as validou.
- Conclusão parcial:
O texto valoriza as variedades populares da língua, contrapondo-se à norma-padrão defendida pelo literato oficial, e destaca a legitimidade da linguagem criada e usada pelo povo.
3º Passo: Explicação de Conceitos Necessários
- Norma-padrão:
A variante da língua considerada mais prestigiada e ensinada formalmente. É usada em contextos formais e muitas vezes criticada por não refletir a diversidade linguística. - Variedades populares:
São as formas de linguagem usadas em contextos informais ou regionais. Elas expressam a cultura e as vivências de uma comunidade. - Preciosismo linguístico:
Atitude de valorização excessiva da norma-padrão, muitas vezes desprezando as expressões populares e regionais.
4º Passo: Análise das Alternativas
- A) contrapõe características da escrita e da fala.
Incorreta. Embora o texto critique o uso formal (“captura” ao invés de “pega”), o foco está na valorização da linguagem popular e não na contraposição entre escrita e fala. - B) ironiza a comunicação fora da norma-padrão.
Incorreta. O texto ironiza o preciosismo do literato e valoriza a comunicação fora da norma-padrão, em vez de criticá-la. - C) substitui regionalismos por registros formais.
Incorreta. O poeta propõe o oposto: incluir os regionalismos no dicionário, legitimando-os. - D) valoriza o uso de variedades populares.
Correta. O texto exalta o uso de expressões populares e defende que elas sejam reconhecidas oficialmente, demonstrando a importância dessas variedades linguísticas. - E) defende novas regras gramaticais.
Incorreta. O poeta não propõe novas regras, mas a inclusão de expressões populares já existentes.
Dica Geral:
⚠️ Ao analisar alternativas, identifique se o autor valoriza ou critica o uso da norma-padrão ou das variedades populares para compreender sua concepção de língua.
5º Passo: Conclusão e Justificativa Final
Conclusão:
A alternativa correta é a letra D, pois o texto valoriza o uso de variedades populares ao criticar o preciosismo linguístico e defender o reconhecimento das expressões populares pelo dicionário.
Resumo Final:
O texto reforça a importância de validar as variedades linguísticas usadas pelo povo, destacando a riqueza cultural e a legitimidade dessas formas de expressão.